terça-feira, 25 de agosto de 2015

Liga faz-de-conta

Não, ao contrário do que poderão estar a pensar, este post não é sobre arbitragem ou colinhos. É certo que a arbitragem é a maior fonte de desvirtuamento da verdade desportiva, ao redor do qual as mais ferozes lutas de dirigismo se disputam, mas não é o único caso em que as ações praticadas por quem está à frente dos clubes deixa muito a desejar no que à proteção do espetáculo e da indústria do futebol diz respeito. 

Existem outros casos que vão passando mais ou menos despercebidos e que vão provando que a Liga portuguesa, quando comparada com as melhores da Europa, não passa de uma competição faz-de-conta patrocinada pela falta de capacidade e dignidade da maioria dos dirigentes que temos.

Três exemplos: 

1. Os preços dos bilhetes praticados por determinados clubes nas visitas dos grandes são uma total falta de respeito pelos adeptos. Um bom exemplo disto são os preços tabelados para o Académica - Sporting do próximo domingo:


Num estádio com capacidade para 30.000 pessoas, devem contar-se pelos dedos de uma mão as vezes que a Académica conseguiu uma lotação esgotada (se é que alguma vez isso aconteceu). Pedir a um adepto que pague 35€ ou 40€ (a que se juntam o custo de deslocação e outras despesas - o adepto também tem que comer e beber) num jogo da 3ª jornada que se disputará no princípio da noite de um domingo, é única e simplesmente puro oportunismo. Mais, é um oportunismo idiota, porque facilmente colocariam mais do dobro de pessoas pagantes nessas bancadas se metessem os bilhetes a metade desse preço.

O aumento das assistências que todos desejam passa muito por criar o hábito de ir ao futebol a quem o faz sistematicamente pela televisão. Uma política de preços que é uma autêntica exploração apenas contribui para que muitos potenciais espectadores não se sintam tentados, por uma vez sequer, a largar o conforto do sofá ou o rebuliço das mesas dos cafés.

É urgente a regulamentação do preço dos bilhetes - tema que é mencionado no programa de candidatura de Pedro Proença -, mas infelizmente, como poderemos ver em ambos os pontos que se seguirão, é muito provável que a falta de bom senso dos dirigentes dos clubes acabe por impor uma solução que ficará bastante aquém do que é exigível.


2. Os empréstimos de jogadores são uma das formas que Porto e Benfica encontraram ao longo dos últimos anos para desvirtuar a competição, inundando os clubes da I Liga com jogadores emprestados que acabavam invariavelmente lesionados ou adoentados em vésperas de defrontar a equipa de origem. Ou seja, muitos dos clubes estavam impedidos de se apresentarem na máxima força contra certos adversários. 

Neste defeso, os clubes entenderam que se impunha aprovar nova legislação. Mas em vez de restringirem a sério a quantidade de jogadores emprestados, o acordo a que chegaram permite que no limite um grande empreste 45 jogadores a equipas da mesma divisão - e com o bónus de os impedirem de defrontarem o seu clube de origem. Uma oportunidade desperdiçada de se corrigir algo que tresandava, optando-se antes por se borrifar a questão com uma ou duas bombadas de mata-moscas para disfarçar o cheiro.


3. Vamos com duas jornadas e já dois clubes preferiram abdicar da vantagem de jogar no seu estádio, de um relvado que conhecem muito melhor e com uma maior percentagem de apoio nas bancadas, optando por jogar em casa emprestada pelo proveito financeiro proporcionado por um estádio que permitisse acomodar 20 e poucos mil adeptos adversários. O Tondela tem a desculpa das obras a que o seu estádio está atualmente a ser sujeito, enquanto que o Arouca desta vez nem se deu ao trabalho de fingir que se zangou com a Câmara Municipal, mas a verdade é que ambos os jogos deveriam ter sido disputados nos respetivos estádios - em horários compatíveis com as condições que têm. No caso do Tondela, havendo obras a realizar, que fossem feitas em tempo útil durante o defeso. Não tendo um estádio em condições a que possam chamar de casa, que dêem o lugar a outro clube que as tenha.

Se a um clube é permitido jogar num campo com melhores condições e no qual pode colocar mais adeptos seus, e aos seus rivais diretos a mesma gentileza não é aplicada, então mais uma vez estamos a falar de uma forma de desvirtuar a competição.

Pior: só ontem soube que os clubes se debruçaram recentemente sobre este tema e aprovaram nova legislação. E o que decidiram?

in A Bola, via Sou Portista Com Muito Orgulho

Ou seja, optaram por legalizar aquilo que deveria ser impedido. A partir de agora, é certinho que qualquer clube com um estádio com capacidade inferior a 10.000 pessoas (e falamos de METADE das equipas da I Liga) ficará seriamente tentado a disputar em campo neutro o seu jogo em casa  contra equipas que estão a disputar o título. Ou seja, vergonhas como as do Estoril - Benfica no Estádio do Algarve e do Arouca - Benfica de há duas épocas em Aveiro, disputados numa fase decisiva do campeonato e que facilitaram a tarefa de um dos candidatos ao título, poderão agora multiplicar-se livremente.

É isto que temos: dirigentes que são incapazes de proteger a competição, preferindo invariavelmente seguir pelas soluções mais fáceis e não pelas soluções certas. Definitivamente não merecem os poucos momentos sublimes que a nossa liga nos vai proporcionando, como este golo que Suk marcou ontem à Académica.