terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A verdadeira derrota

Ao fim de ano e meio de disputas legais entre o Sporting e a Doyen, o TAS acabou por dar razão ao fundo. O Sporting foi ontem condenado a pagar cerca de 12 milhões de euros. O desfecho não é, obviamente, aquele que os sportinguistas desejariam. Mas, ao contrário daquilo que muitos tentarão fazer crer, não foi ontem que o Sporting foi derrotado. 

O dia em que o Sporting foi derrotado no processo Rojo foi o dia em que decidiu contratar o jogador sem ter meios financeiros para o fazer. A falta de condições financeiras para investir num jogador como Rojo levou os nossos antigos dirigentes a sujeitarem-se a uma "parceria" em que o clube abdicava de todos os direitos e assumia todos os riscos e responsabilidades. Graças a essa decisão, o Sporting andou durante duas épocas a desenvolver e a valorizar um jogador que, graças às cláusulas do contrato de TPO assinado com a Doyen, nunca poderia dar qualquer retorno financeiro ao clube. Fosse vendido por um euro ou fosse vendido pela cláusula de 30 milhões, era matematicamente impossível para o Sporting conseguir recuperar o dinheiro gasto na aquisição dos seus 25% de passe e nas comissões e outras despesas pagas no processo de contratação do jogador argentino.

Nota: este gráfico não inclui custos de comissões e outras despesas suportadas ou a suportar pelo Sporting.

O Sporting foi derrotado no dia em que contratou um jogador para os seus quadros e depositou na mão de terceiros o poder de definir a continuidade do atleta no clube. O Sporting foi derrotado quando se sujeitou a cláusulas abusivas que retiraram ao clube até a capacidade de renovar com o jogador sem ter primeiro que consultar a Doyen.

Ontem foi o dia em que perdemos as hipóteses de reequilibrar os pratos da balança de um contrato desigual. Mas se do ponto de vista financeiro as consequências traduzem-se num retorno à estaca zero - o Sporting terá que entregar à Doyen o montante que lhe caberia pelos seus 75% somados de juros de mora que estão ao nível da taxa de financiamento médio do clube -, não posso concordar com quem fale de uma derrota do clube ao nível da imagem passada para o exterior.

Basta comparar o antes e o depois de todo este processo. Em agosto de 2012, altura em que Rojo foi contratado, o Sporting era um clube sem dinheiro e sem ativos, com um plantel pouco valorizado e hipotecado - basta lembrar a quantidade de jogadores cujo passe eram detidos por terceiros. A Doyen era um fundo que operava de forma completamente livre no mercado futebolístico e sem qualquer tipo de controlo ou escrutínio. Hoje a situação é completamente diferente: o Sporting é um clube com um plantel muito mais rico e está a valorizar os seus ativos em seu próprio proveito - e não para enriquecer sobretudo terceiros -, enquanto que a Doyen viu-se obrigada a operar praticamente na clandestinidade, recorrendo a sistemas ainda menos claros de financiamento de transferências de e para clubes que fazem ou faziam parte do seu catálogo, como o Porto, Marselha, Watford, Udinese, Inter, Gijón, Granada, Atlético Madrid ou Twente.

O Sporting iniciou sozinho uma cruzada que mudou a forma como o mundo do futebol vê os fundos - pelo menos a parte do mundo do futebol que prefere não tapar os olhos. Não é possível retirar o mérito a Bruno de Carvalho pela forma como conseguiu colocar o assunto na agenda mediática do futebol europeu - até mais no estrangeiro do que em Portugal, vá-se lá perceber o motivo. O caso Rojo e a ação do Sporting foram os pretextos usados pela UEFA para avançar contra a influência crescente destas entidades opacas, acabando por forçar a FIFA a tomar a histórica decisão de banir a partilha de passes com terceiros a nível mundial. 

Como seria de esperar, os fundos tentaram adaptar-se à nova legislação e encontrar novas formas de fazer aquilo que faziam, mas já não se livram da imagem de organizações agiotas que estão dispostas a atropelar tudo e todos em nome do lucro. Aquilo que aconteceu recentemente na Holanda com o Twente será provavelmente o melhor dos exemplos.

Neste momento, tudo isto pode servir de pouco consolo perante a decisão desfavorável do TAS. Mas todo este processo acabou por ter uma outra vantagem que não se esgota no presente: deu-nos a conhecer os nossos verdadeiros inimigos. E não me refiro apenas aos responsáveis de Porto e Benfica que usufruíram de uma deslocação e custas pagas até à Suiça para testemunhar a favor da Doyen. Falo, sobretudo, dos antigos dirigentes do Sporting que aceitaram testemunhar voluntariamente contra o seu próprio clube:


Os sportinguistas podem e devem sentir-se desiludidos com o desfecho de ontem. Mas em vez de direcionarem a raiva ou frustração que possam sentir contra os dirigentes que não recearam enfrentar forças extremamente poderosas para defender os interesses do clube, devem primeiro relembrar-se da pesada herança que Bruno de Carvalho recebeu dos seus antecessores. Falando concretamente de Godinho Lopes, é a ele que devemos dois anos de incompetência extrema - dos quais o contrato com a Doyen sobre Rojo é apenas um de inúmeros exemplos - que conduziram o clube a uma situação desesperada de pré-falência. Infelizmente para nós, esses dois anos de incompetência tiveram, têm e terão consequências cujos efeitos continuarão a fazer-se sentir, no mínimo, até 2026. Resíduos altamente tóxicos (*) que condicionarão a ação desta direção e das que se seguirão. É bom que nunca ninguém se esqueça disto.

(*) em breve apresentarei outro exemplo.