quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

A cruzada da Sport TV contra os vines e GIFs animados

Nos últimos tempos a Sport TV tem feito um grande esforço para bloquear todos os vídeos publicados nas redes sociais com imagens de jogos seus. Não falo apenas de cópias de jogos completos ou resumos: até vines (pequenos vídeos de 6 segundos que passam em loop) e GIFs animados (vídeos de poucos segundos, geralmente de baixa resolução) estão a ser alvo das atenções do canal.

(obrigado, @pmrgouveia!)

Sou, evidentemente, suspeito para falar deste assunto, pois todos os vines que fiz nos últimos tempos foram bloqueados, alguns deles poucas horas depois de terem sido publicados. De qualquer forma, não coloco em causa o direito da Sport TV em proteger conteúdos que são seus. Mas é triste que o façam.

Em primeiro lugar, porque este tipo de vídeos são completamente inócuos para os interesses comerciais da estação. E muitos deles podem ser vistos também noutros canais em sinal aberto, quer nos noticiários, quer nos programas de debate que dominam muitos dos serões televisivos da semana.

Em segundo lugar, porque impedem adeptos de serem... adeptos. A esmagadora maioria das pessoas que colocam estes vídeos não tem qualquer intenção de lucrar com os conteúdos publicados. O objetivo é comentar, debater, confrontar ou apenas divulgar algo que se considera ter interesse para a generalidade das pessoas. Na prática, apenas queremos viver o jogo para além do jogo.

Sim, sei que por vezes podemos ser um pouco doentios a discutir polémicas de arbitragem, e há quem possa alegar que estamos a ajudar a destruir o espetáculo, mas não é isso que move a Sport TV nesta cruzada. A maior parte dos vídeos mostram apenas pormenores de jogadas ou acontecimentos que nos deliciaram e que queremos partilhar com o resto dos adeptos. Por exemplo, entre os vídeos que a Sport TV mandou bloquear recentemente, está o não festejo de Wilson Eduardo quando marcou pelo Braga ao Sporting, ou um movimento repentino de João Mário para deixar Maxi em fora-de-jogo. 

Um passe bem medido. Um pormenor técnico de excelência. Uma curiosidade invulgar. É disto que falamos na maior parte dos vídeos partilhados. De que forma fica prejudicada a Sport TV com a publicação de vídeos como este?

(este vídeo em particular é de uma transmissão da SIC, mas é só para perceberem a ideia)

Faz todo o sentido que a Sport TV tente proteger os diretos das competições que transmitem, pois são os diretos que levam as pessoas a assinar a estação. Tenho a certeza que os streams ilegais prejudicam os seus interesses, pelo que entendo perfeitamente que se esforcem por acabar com eles. Mas já me custa a compreender que persigam quem usa pequenos pedaços de vídeos para prolongar a discussão dos jogos que a própria Sport TV transmitiu no passado. Aliás, é triste que não percebam que quem o faz está a ajudar, na realidade, a promover os conteúdos que a Sport TV irá transmitir no futuro.

De qualquer forma, o melhor remédio que a Sport TV tem para acabar com este tipo de vídeos é... deixar de ser um canal preguiçoso e acomodado. A mentalidade que predomina na Sport TV é a de um monopolista que não se esforça minimamente por ir ao encontro daquilo que os clientes e potenciais clientes querem ver. Quer em termos da qualidade das transmissões (comentários monocórdicos, excesso de repetições, som ambiente abafado), quer na ausência de riqueza de análise pós-jogo. Em vez de se fecharem nos formatos caducos em que apostam constantemente, podiam tentar seguir algumas das coisas boas que se fazem lá fora. Vou dar um exemplo concreto.

Na ressaca do Nacional - Porto de há umas semanas, Pedro Henriques fez uma análise bastante interessante do comportamento dos jogadores nos cantos no programa Resultado Final, compilando uma série de situações para ajudar a mostrar o seu ponto de vista. Note-se que estou a fazer um elogio a Pedro Henriques, pois não é muito comum assistirmos a este tipo de análises de detalhes na Sport TV. Mas, infelizmente, muito do esforço do comentador acabou por ser desperdiçado por preguiça alheia:


Não houve qualquer preocupação por parte da produção do programa em dar um apoio visual nas imagens que passavam. Quando Pedro Henriques refere a ação de um determinado jogador, a ausência de um auxílio visual faz com que o telespectador ande à procura dele no meio da multidão, acabando por ter uma grande dificuldade em acompanhar as explicações do comentador à medida que o lance se desenrola.

Precisamente na mesma semana, calhou Jamie Carragher fazer a análise a um golo sofrido pelo Manchester United, também a partir de um canto. Observem o nível de investigação que realizaram e todo o apoio visual que é dado ao telespectador durante a explicação:


Incomparavelmente melhor. Recuaram 10 anos para mostrar um caso semelhante protagonizado pelo treinador do Bornemouth nos seus tempos de jogador, compararam com outros jogos da época ou de épocas anteriores para estabelecer um padrão, tudo acompanhado por auxiliares visuais que permitem ao telespectador manter-se envolvido na explicação. Claro que nada disto é fácil de fazer. É necessário disponibilizar recursos humanos que tenham uma memória rica da história das competições, que investiguem, que pensem fora da caixa, que trabalhem as imagens. Que possam, em suma, ajudar os comentadores a fazer o melhor programa possível para quem o vê.

O futebol é muito mais do que os golos marcados. É muito mais do que o que os resumos de 2 minutos mostram. É muito mais que repetições constantes de lances polémicos. Um adepto que se preze encontra interesse ou prazer em ver e rever um passe bem medido, uma triangulação, uma recuperação lenta, uma falha de posicionamento, uma reação emocional de um jogador, o comportamento menos habitual de um treinador. E a Sport TV, ao querer guardar a sete chaves todas as imagens só para si, está a privar os adeptos de tudo isso. Os assinantes têm a possibilidade de as reverem durante uma semana, graças às gravações automáticas que o operador disponibiliza. Depois disso, é como se as imagens ficassem perdidas para sempre.  

Perdidas para sempre, por dois motivos: primeiro, porque a Sport TV não faz um tratamento minimamente adequado da maior parte das incidências que um jogo tem; depois, porque se recusa a partilhar com os adeptos os seus conteúdos; finalmente, porque impede que os adeptos partilhem os seus conteúdos entre si.

Para ser totalmente justo, há que referir que o grupo Sportinveste, que detém a Sport TV, tem também o site vsports.pt, onde coloca vídeos de todos os jogos. Lá podemos encontrar o resumo de cada partida, e também vídeos dos golos, das principais oportunidades para marcar, e de casos de arbitragem. Mas é claramente insuficiente: não só disponibilizam pouco mais do que aquilo que qualquer resumo num noticiário mostra, como nem sequer têm um sistema de partilha decente. Resultado: à hora que escrevo, ou seja, decorridos três dias após a partida, o vídeo mais visto do Sporting - Porto de sábado no site VSports é o do caso de um eventual penálti sobre Corona, que tem 331 visualizações. 331 visualizações! O vídeo do resumo do jogo foi visto 294 vezes. Mas a maior parte dos vídeos nem sequer chegou às 100 visualizações. Isto é absolutamente ridículo.

Para terem um termo de comparação, qualquer vídeo que eu coloque no Facebook (a minha página tem cerca de 6.400 likes, o que é pouquíssimo quando comparado com outras páginas de Facebook portuguesas) chega a um mínimo de 20.000 pessoas. O vídeo que gravei no Estádio de Alvalade no último sábado do cântico "O Mundo Sabe Que" chegou a 145.000 pessoas. Como é possível que, em pleno 2016, a Sport TV não aproveite a força das redes sociais para promover os seus conteúdos de uma forma que não prejudique os seus interesses comerciais?

Voltando ao princípio: a Sport TV tem direito a bloquear vídeos de conteúdos que comprou aos clubes. Isso não está em causa. Mas devia perceber que não ganhará assinantes por estar a bloquear vídeos de 6 segundos ou determinadas compilações feitas por adeptos. Pelo contrário, deviam abandonar a política de alheamento em relação ao grande público - que sempre tiveram -, e tentar fazer um esforço de adaptação ao século XXI e ao que os adeptos / assinantes realmente querem ver.

Vamos imaginar que a Sport TV consegue abolir das redes sociais todos os vídeos de jogos seus. Imaginemos também, por absurdo, que a Sport TV consegue impedir que se discuta futebol nas redes sociais. Isto faria bem ou mal à popularidade do futebol português? Ganhariam ou perderiam assinantes em relação ao que têm agora? Para mim a resposta é perfeitamente óbvia.