sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

As contas do Sporting (1º trimestre)

Foi sem grandes surpresas que o Sporting anunciou, na passada quarta-feira, um lucro de 62,9 milhões de euros. Sem surpresas, porque, conforme tinha escrito na análise às contas da época passada (daqui),
"Fazendo uma projeção para as contas de 2016/17 do Sporting, o apuramento para a Liga dos Campeões, a recuperação do patrocínio das camisolas (que estimo valer entre 7,5 e 8 milhões anuais) e as vendas de Slimani e João Mário (que deram mais-valias de 54 milhões de euros) deverão contribuir para um lucro recorde da SAD, que superará largamente o prejuízo da época que terminou."
mas não deixa de ser um resultado notável. Obviamente que devemos enquadrá-lo devidamente: da mesma forma que o prejuízo de 31,9 milhões da temporada passada não era preocupante - por já se saber que as vendas de Slimani e João Mário e a subida consistente das receitas operacionais iriam tapar esse buraco no trimestre seguinte -, não podemos pensar neste lucro de 62,9 milhões como um fenómeno descolado do passado. Estes relatórios apresentam uma imagem estática do estado das contas num dado momento, mas a vida de uma SAD decorre de forma ininterrupta e contínua, pelo que, ao analisarmos as contas, devemos sempre levar em linha de conta os acontecimentos anteriores e as expetativas futuras.

Independentemente disso, é ridículo que se tente colocar reservas a estes resultados, pois representam uma melhoria, significativa e inquestionável, da saúde financeira do Sporting.


Resultados operacionais

O Sporting apresentou um lucro operacional superior a 64 milhões de euros, que se devem, sobretudo, às mais-valias conseguidas com a venda de jogadores. No entanto, mesmo que não se tivessem registado essas vendas, os resultados operacionais do Sporting seriam positivos.



O lucro operacional de 7,7 milhões deve-se, em grande parte, ao crescimento de rubricas de receitas dos direitos de TV, bilheteira e patrocínios (que continuarão a refletir-se positivamente nos próximos trimestres), mas também ao prémio de participação na Liga dos Campeões (que não se vai repetir nos próximos trimestres). Por este motivo, os resultados operacionais (sem transações de jogadores) irão decair bastante ao longo da época, a ponto de serem negativos, mas essa descida não irá colocar em causa um lucro histórico da SAD no final da temporada.

De registar também a subida dos custos com pessoal. O Sporting gastou, no último trimestre de 2015/16, 13,1 milhões de euros em salários. No 1º trimestre de 2016/17, esse valor subiu para 15,1 milhões. Não é possível ainda determinar com rigor quanto irá aumentar o gasto com salários na totalidade da época, já que a janela de transferências fecha com dois terços do 1º trimestre cumprido - ou seja, foi influenciado pelos salários de Teo, Aquilani ou Slimani, e não suportou na totalidade os salários de jogadores que chegaram ao clube já com o trimestre em andamento, como  Dost, Markovic, Castaignos, Elias ou Campbell. Olhando para o investimento feito no plantel, parece-me que os custos com pessoal irão subir - resta saber qual o nível desse aumento. 


O passivo, ai, o passivo

As primeira análises de proveniências mais escarlates não hesitaram logo a apontar, de forma alarmista, para o aumento do passivo do Sporting. Sim, é verdade, o passivo do Sporting aumentou cerca de 27,5 milhões de euros.


No entanto, este aumento deve-se, sobretudo, ao investimento na equipa de futebol (o Sporting, como qualquer clube, acorda pagamentos faseados dos jogadores que adquire a outros emblemas) e ao reconhecimento de que 25% do valor da transferência da João Mário é devido à QFIL.

Nada disto é preocupante: se é verdade que a rubrica de fornecedores aumentou 11 milhões e o Sporting deve 9,3 milhões à QFIL, temos também de olhar para o que se passa no lado dos ativos:



Como se pode ver, a rubrica de clientes (ou seja, os valores que o Sporting ainda tem a receber dos clubes a quem vendeu jogadores) cresceu 36 milhões de euros, e a rubrica de caixa (o dinheiro que o Sporting tem em sua posse, seja em numerário, seja em depósitos bancários) aumentou 23,4 milhões de euros. Perante isto, o crescimento do passivo em 27,5 milhões nada tem de preocupante, pois o dinheiro que entrou (e ainda vai entrar) chegará para saldar esse valor, mesmo considerando a parcela que o Sporting será obrigado, na altura devida, para reembolsar empréstimos bancários e para colocar na conta de reserva.

Voltando ainda ao passivo, há boas notícias que convém assinalar: os empréstimos bancários e obrigacionistas foram reduzidos em 4 milhões de euros, estando agora no valor mais baixo desde que Bruno de Carvalho tomou posse.


O gráfico está incompleto porque Benfica e Porto ainda não apresentaram as suas contas relativas ao 1º trimestre. A CMVM desobrigou as SAD's de apresentarem as contas trimestrais, ou seja, passou a ser um documento opcional - e, obviamente que, não sendo bons os números que há para mostrar, Benfica e Porto não os deverão divulgar (por esta altura, no ano passado, ambas as SAD's já tinham publicado os resultados trimestrais).

De notar, também, que o Sporting apenas terá de usar 30% das mais-valias das vendas de Slimani, João Mário e Naldo para o reembolso de empréstimos bancários em julho de 2017:


O mesmo se aplica para os 20% que serão colocados em contas de reserva.


Outros comentários

Penso ser relevante repor a verdade em relação a certas coisas que têm sido escritas sobre as contas do Sporting:

1) 


É verdade que o Sporting só registou 59,5 milhões de mais-valias de um total de 74,5 milhões de vendas, mas a explicação é simples:
  • 25% do passe de João Mário pertencia à QFIL, ou seja, o Sporting só teve direito a cerca de 75% do valor líquido da transferência (sensivelmente 30 milhões);
  • 20% das mais-valias de Slimani pertenciam ao empresário, mas, poucos dias antes da venda ao Leicester, o Sporting chegou a um acordo com o empresário que limitou os direitos deste último a um máximo de 4 milhões; ou seja, o Sporting teve direito a cerca de 26 milhões.

As contas são um pouco mais complexas, porque as percentagens dos terceiros diziam respeito a mais-valias, ou seja, com os dados que são públicos não é possível calcular valores exatos. De qualquer forma, por alto, são estas: 30 + 26 + Naldo + outras transferências = 59,5. Como diria o outro, é só fazer as contas. Não faz qualquer sentido fazer passar aquilo que são direitos de terceiros como comissões. Até porque, conforme o Sporting anunciou em devido tempo, não houve quaisquer encargos com comissões nas vendas de Slimani e João Mário.

2) 


O relatório e contas do Sporting identifica, efetivamente estes valores, mas, mais uma vez, está a confundir-se algo de básico: nem todos os encargos com transferências têm a ver com comissões. Parte dos encargos diz respeito, de facto, a comissões, mas outra parte explica-se com outro tipo de despesas, como prémios de assinatura.

Um exemplo: o Sporting comunicou oportunamente à CMVM que pagou um prémio de assinatura de 2,2 milhões a Alan Ruiz. As comissões também foram detalhadas em comunicado à CMVM e publicadas no Jornal Sporting, como, aliás, tem sido hábito desde que esta direção tomou posse.



3)


O Sporting assinou um acordo com a banca que reduziu significativamente os juros a pagar sobre certas tranches de empréstimos, no entanto, não falamos de um perdão. O Sporting teve que ceder contrapartidas várias: desde o saneamento das contas, que obrigaram a enormes cortes com a despesa - que tiveram um profundo impacto no funcionamento da SAD -, até à obrigação do reembolso de empréstimos e reforço de contas de reservas com parte das receitas de transferências de jogadores e da participação nas competições europeias. Ou seja, a banca abdicou de parte dos juros para passar a ter mecanismos que lhe garantem um reembolso acelerado dos empréstimos que concedeu ao Sporting, à medida que determinados tipos de receitas vão sendo assegurados. Portanto, faz tanto sentido designar-se isto de perdão de juros como dizer que o Sporting está a "dar" dinheiro das transferências à banca.

Quer o Sporting, quer BES e BCP (entidades privadas), assinaram o acordo quadro de reestruturação financeira por considerarem que os direitos e obrigações atribuídos a ambas as partes seriam a melhor forma de defender os interesses de cada um. Chama-se a isto negociação. É lidar.