terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Assim se fabrica uma polémica

No final da tarde de ontem, um miúdo de 15 ou 16 anos fez um tweet onde se podia ler o seguinte:
"Eu queria ser poeta mas poeta não posso ser, porque um poeta pensa muito e eu só penso na luz a arder".

O tweet estava ilustrado com um coração verde e uma imagem de algumas cadeiras do Estádio da Luz em chamas, de um lamentável episódio provocado por adeptos do Sporting num dérbi ocorrido há cinco anos.

Para azar do autor do tweet, havia jornalistas bastante atentos à sua conta de Twitter. Porquê? Porque o miúdo de 15 ou 16 anos é filho do presidente do Conselho de Arbitragem, Fontelas Gomes. Para os jornalistas, foi argumento mais que suficiente para classificar isto como um facto suficientemente relevante para ser notícia. E assim, menos de 40 minutos após a publicação do tweet, o Record deu a notícia no online, da seguinte forma:


Poucos minutos depois, Alex Gomes apagou o tweet, mas, como seria de esperar, não tardou que a "notícia" se espalhasse por toda a comunicação social, sendo, inclusivamente, tema de debate em todos os programas de segunda à noite. Veja-se a forma como Paulo Garcia e Rui Gomes da Silva exploraram a situação: 


Rui Gomes da Silva, que é um dos maiores incendiários das redes sociais, autor compulsivo de posts que provocam os rivais, acha que tem moral para criticar um menor por causa de um tweet daqueles. É preciso um descaramento monumental.

Há muito para lamentar em todo este episódio, mas, na verdade, o tweet propriamente dito acaba por estar longe de ser o mais triste entre tudo o que se leu e ouviu.

Em primeiro lugar, porque falamos de um menor, de 15 ou 16 anos. Um tweet pouco apropriado de um rapaz de 15 ou 16 anos não é um assunto para serem explorados por jornalistas. É assunto, quando muito, para ser avaliado e tratado pelos pais.

Em segundo lugar, porque é preciso ser-se doente (e deu para ver que há muitos doentes por aí) para se levar literalmente o conteúdo do tweet e se interpretar isto como uma ameaça. Não fica bem escrever-se uma coisa destas, obviamente, mas... falamos de um rapaz de 15 ou 16 anos. Quem frequenta as redes sociais pode ler, diariamente, centenas de tweets / posts / comentários escritos por adultos que são muito, mas mesmo muito piores, do que este. Se se deixam assustar com este tweet, suponho que vivam permanentemente aterrorizados com a quantidade de alarvidades que se lêem por aí todos os dias.

Por último, a relevância da notícia. Mesmo que Alex Gomes fosse adulto, que sentido faz o Record dar destaque a um tweet destes? No texto pode ler-se que a mensagem "causou polémica nas redes sociais". Ora, na imagem que o Record apresenta, pode ver-se que o tweet tinha 3 retweets, 4 favorites e 0 respostas, o que significa que o seu impacto era, na altura, insignificante. Foi o Record, com a sua "notícia", que criou a polémica.

Mas o Record não é mais culpado do que todos os outros órgãos de comunicação social que exploraram este assunto. O que fizeram ao rapaz foi nojento. Espero que os jornalistas e comentadores que deram destaque a este assunto - que são ou um dia forem pais -, não tenham que passar por uma situação semelhante com os seus filhos. Na verdade, bem que mereciam ver os filhos a serem alvo deste tipo de atenção para perceberem a angústia que causa, mas, em primeira e última análise, os filhos não podem nem devem ser responsabilizados ou penalizados pelos pais que têm ou pelos cargos que os pais ocupam.