quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O regresso do Football Leaks

E eis que, de forma algo surpreendente, o Football Leaks voltou a dar sinais de vida. No princípio de maio deste ano, o responsável pelo site (que se identificou como John), deu uma entrevista ao Der Spiegel (LINK), onde anunciou que iria fazer uma pausa na divulgação de documentos. 

Na altura, pensei que essa atitude se devesse ao facto de ser um homem perseguido por inimigos muito poderosos. A Doyen acusava-o de extorsão e, segundo o próprio John, Jorge Mendes tinha contratado detetives para o identificar - o que dava a entender que também teria em sua posse documentos relacionados com a Gestifute, apesar de não os ter publicado até então.

Pelos vistos, essa entrevista ao Der Spiegel trazia brinde: apesar de ter anunciado uma pausa nos leaks por 6 meses, aproveitou para passar ao jornal alemão os documentos que recolhera. O Der Spiegel, perante a imensidão da informação que lhe foi colocada à disposição, entendeu ser aconselhável convocar uma série de jornais de outros países para colaborarem na análise dos milhares e milhares de documentos. Esta semana, cerca de seis meses depois da tal entrevista, os vários jornais começaram a publicar o resultado dessa análise.

As acusações feitas à Gestifute, a Jorge Mendes e aos seus clientes são muito, muito graves. Não me parece que irão abanar a indústria do futebol propriamente dita - as alegadas irregularidades apontam para um esquema usado por atletas multimilionários para escapar aos impostos, e nada têm a ver com o jogo em si -, mas põem em causa algumas das principais figuras do futebol mundial.

Já todos sabiam que Jorge Mendes era mais do que um simples empresário. Aliás, era mais do que um super-empresário. As áreas de atuação do comendador há muito que tinham ultrapassado as competências de um típico representante de jogadores. Sim, Jorge Mendes representava jogadores, mas também intermediava transferências, aconselhava proprietários de clubes, apostava forte na exploração de novos mercados - como o chinês - e, inclusivamente, já começava a meter o pé noutro tipo de atividades, como a indústria do entretenimento, com parcerias estabelecidas com poderosos grupos económicos que nada tinham a ver com o futebol.

No caso de todos os documentos analisados serem verídicos e as conclusões dos jornais estarem corretas, então fica à vista de todos aquilo que muitos já suspeitavam sobre Jorge Mendes.

No caso denunciado pelo Der Spiegel, Expresso, e outros órgãos de comunicação social europeus, Mendes montou um esquema que permitiu aos seus clientes pagar muito menos impostos do que deveriam. Os clientes de Jorge Mendes declaravam apenas uma pequena parte dos rendimentos provenientes de direitos de imagem (no caso de Cristiano Ronaldo, apenas 20% do total). A principal fatia era canalizada através de empresas de Mendes para contas offshore dos jogadores. Ou seja, em vez de amealhar cerca de 50% dos rendimentos em impostos, o fisco tributava apenas cerca de 10% do total (ou seja, metade dos 20% declarados). Como contrapartida pelo serviço prestado, as duas empresas de Mendes usadas para canalizar o dinheiro não declarado ao fisco, chamadas MIM e Polaris, retinham, respetivamente, 10% e 15% em comissões.



Ou seja, todos ficavam a ganhar. Todos, menos o Estado, claro. Os atletas pagavam muito menos impostos, e o empresário era recompensado com a sua habitual comissão. Segundo as notícias que foram sendo divulgadas ao longo dos últimos dias, outros atletas usufruiram deste esquema, como Ricardo Carvalho, Fábio Coentrão, James Rodriguez, Pepe e Özil.

Nada disto é uma originalidade. Infelizmente, são vários os esquemas semelhantes que permitem a muitas outras pessoas, do futebol ou de outras áreas de atividade, fugir aos impostos. Messi, como seguramente todos se recordam, foi recentemente condenado a 21 meses de prisão, com pena suspensa, por fraude fiscal. No entanto, confirmando-se tudo isto, ficamos a saber que Jorge Mendes se disponibiliza a enveredar por atividades ilegais para benefício próprio e dos seus clientes.

Agora pensem num determinado carrossel de jogadores, em que um certo conjunto de clubes compra e vende, de forma rotativa e num ritmo elevado, uma série de jogadores sobreavaliados, muitas vezes sem que haja uma explicação desportiva aparente. Estão também envolvidas figuras e fundos com fortunas de proveniência duvidosa. E no centro de tudo, está quem vocês sabem. Alguém se admiraria se os jornais descobrissem que se trata de uma esquema que vai muito para além da simples transação de jogadores?