quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Rui Pedro Braz, o Vale e Azevedo do comentário desportivo

A derrota de terça-feira do Sporting - e o consequente aprofundamento da crise em que o clube está envolvido - parece ter tido o condão de libertar todo o ódio a Bruno de Carvalho que andou reprimido durante alguns anos. Nas últimas 24 horas têm chovido críticas de adeptos, "notáveis", rivais, e comentadores, umas justas, outras absolutamente disparatadas.

O cúmulo do disparate foi atingido, precisamente, na noite de terça-feira, na TVI24. Rui Pedro Braz, cerca de uma hora após final da partida de Chaves, não se poupou nas palavras que dispensou a Bruno de Carvalho e à situação do Sporting. É preciso ver para crer.


Há aqui vários pontos que merecem ser mencionados. Vou começar pela afirmação de Rui Pedro Braz em como a situação financeira do Sporting não é melhor do que a que se verificava quando Bruno de Carvalho chegou - que é como quem diz que não é melhor do que a situação que existia quando Godinho Lopes saiu.

Braz fundamenta a sua "opinião" com dois argumentos:
  • O que houve foi apenas uma reestruturação da dívida, havendo obrigações muito, muito grandes à banca;
  • O Sporting continua a ter custos elevadíssimos, baixando os custos do staff, mas triplicando os custos do futebol profissional.

Ora bem, que houve uma reestruturação da dívida, é um facto indesmentível. Mas essa reestruturação da dívida permitiu, entre outras coisas, fasear as tais obrigações à banca em função da obtenção de receitas extraordinárias. O Sporting vai abatendo a dívida à medida que se qualifica para as competições europeias, ou à medida que vai obtendo mais-valias com a venda de jogadores. Ou seja, o Sporting deixou de poder ser forçado a reembolsar os seus empréstimos com o dinheiro proveniente das receitas mais correntes - risco que existia antes da reestruturação. Isto é uma fonte de segurança e estabilidade financeira importantíssima - o clube, cumprindo aquilo a que se comprometeu no acordo de reestruturação, nunca ficará refém da banca, que não pode exigir ou forçar reembolsos para além do que está estipulado.

Em relação aos custos, Braz tem razão. Os custos de staff (refere-se aos fornecimentos e serviços externos, suponho) desceram, enquanto os custos com o futebol profissional aumentaram bastante. Ainda é cedo para se afirmar que podem triplicar, no entanto - aqui já é o comentador a tentar elevar a nota artística em dramatização.

Mas faltou algo fundamental para a análise financeira de Rui Pedro Braz ficar completa: a referência às receitas que o Sporting tinha no tempo de Godinho Lopes e às que tem hoje. Comparemos o 1º trimestre de 2012/13 (última época de Godinho Lopes) com o 1º trimestre de 2016/17 (as últimas contas disponíveis):


Podemos ver, por exemplo, que os custos com pessoal cresceram 50% de há quatro anos para cá. Nas primeiras temporadas de Bruno de Carvalho, os custos com pessoal desceram muito, é verdade. Com a chegada de Jorge Jesus, houve um aumento significativo que corresponde ao maior orçamento de sempre do clube. Facto.

Mas olhemos então para as receitas: a bilheteira triplicou; os patrocínios aumentaram em 50%; os direitos televisivos duplicaram, e aumentarão ainda mais quando o novo contrato com a NOS entrar em vigor; o clube participou, por duas ocasiões, na Liga dos Campeões - coisa que com Godinho Lopes nunca aconteceu -, com um óbvio impacto nas contas;  e, last but not least, as receitas com a transferências de jogadores dispararam, com a realização das duas maiores vendas da história do clube.

O Sporting tem hoje custos mais elevados? Sim, tem. Mas tem também fontes de receita bem mais robustas, que permitem que a SAD tenha uma capacidade bastante superior de suportar esses custos. Se assim não fosse, a comparação entre os resultados operacionais dos 1ºs trimestres de 2012/13 e 2016/17 não teria um aspeto tão desequilibrado:


Convém relembrar aos mais esquecidos (e aos mais distraídos) - onde poderemos incluir o caso de Rui Pedro Braz - que as duas épocas de Godinho Lopes se cifraram em prejuízos acumulados de 89 milhões de euros. Bruno de Carvalho, no conjunto das quatro épocas que teve oportunidade de preparar, apresentará lucros bastante apreciáveis. Convém recordar que, desde que a SAD foi constituída, apenas Filipe Soares Franco conseguiu apresentar lucros com regularidade, mas muito à custa da venda de património. Bruno de Carvalho não só não vendeu património, como se prepara para inaugurar o Pavilhão João Rocha.

Portanto, ao afirmar que a situação de hoje não é melhor do que quando Bruno de Carvalho chegou ao clube, Rui Pedro Braz revela pelo menos uma de duas coisas: ignorância ou desonestidade (ou ambas, o que não é de todo impossível).

Para além disso, a perspetiva futura é bem mais risonha do que há quatro anos. Godinho Lopes deixou um plantel completamente desvalorizado e com pouquíssimo mercado. Foi obrigado a vender Van Wolfswinkel por 10 milhões, dos quais o clube apenas recebeu 3 milhões - porque apenas tinha 30% do passe -, que foram de imediato canalizados para o pagamento de salários em atraso. Hoje, o clube tem um plantel com vários jogadores muito bem cotados, e conseguiu-se recuperar a quase totalidade das percentagens dos passes. Aquilo que o clube valoriza hoje, é para o proveito do clube, e não de terceiros.

E já nem entro na questão desportiva. Compara-se o (péssimo) 4º lugar atual com o 7º de há quatro épocas... mas eu lembro-me bem que em 2012/13, o Sporting andou a namorar com os lugares de despromoção durante uma boa parte da competição.


Convém, efetivamente, ter memória, e contar a história completa. Infelizmente, os canais de televisão estão cada vez mais repletos de profissionais da desinformação.


O Vale e Azevedo do comentário desportivo

Para rematar a ridícula análise às contas do Sporting, Rui Pedro Braz jogou a cartada Vale e Azevedo, o último recurso de quem já não se consegue lembrar de outras formas de insultar um dirigente desportivo.

Podia estar bem calado, porque se há alguém que se possa comparar ao aldrabão e demagogo ex-presidente benfiquista, é o próprio comentador.

Quando falamos de Rui Pedro Braz, falamos de alguém que muda de opinião sobre os mais diferentes temas, conforme aquilo que lhe convém. Vale a pena recordar as críticas que fez à cláusula de rescisão de 60 milhões de João Mário...


"pode ser negativo para o próprio jogador, que fica preso"

... para, poucos meses mais tarde, não poupar elogios às cláusulas de 60 e 80 milhões de Nelson Semedo e Renato Sanches.

"são cláusulas para passar uma mensagem de que o Benfica aposta muito forte nos seus jovens, e de que os jogadores não  sairão do clube antes de atingirem a sua maturação futebolística, um ponto de grande motivação para os outros jovens da formação"

Ou aquela vez em que Braz mentiu, ao dizer que Bruno de Carvalho tinha desmentido, numa Assembleia Geral, a existência de uma penhora após a decisão desfavorável no caso Rojo...



... quando, na verdade, a tinha confirmado.

Ou a forma como Braz reportou o "roubo" de Bakic que o Benfica fez ao Sporting, onde tinha prevalecido a vontade do jogador...


... mas que, quando acabou por ir parar a Braga, não foi possível dizer mais do que "há coisas que não são para dizer, há coisas que não podem ser ditas, e há coisas que também não interessa partilhar".

Ou ainda, por exemplo, o programa em que disse que nenhum presidente com experiência (usando explicitamente Vieira e Pinto da Costa como bons exemplos) cometeria o erro de Bruno de Carvalho ao contratar Shikabala...


..."esquecendo-se" do que se tinha passado uns meses antes, com a aquisição de Taarabt pelo Benfica.

E, para terminar - apesar de ter muito mais exemplos para mostrar, o post já vai longo - não posso deixar de recordar esse momento clássico do comentário desportivo moderno, quando Rui Pedro Braz disse, por ocasião da convocatória de Paulo Bento para o Mundial de 2014, disse que Adrien Silva não estava ao nível de Rúben Amorim, porque este era o suplente do Enzo"...


... colocando o agora capitão do Sporting ao nível de "um Josué". Só dá para rir.

Rui Pedro Braz tem um longo historial gravado de incorreções, deturpações e mentiras, com o exclusivo propósito de atacar o Sporting. É uma espécie de símbolo do novo profissional do comentário que ajudou a destruir em definitivo a credibilidade da comunicação social. Falamos de gente que, sob a capa do jornalismo isento, tem como missão a propagação de uma agenda comunicacional bem definida, e que é capaz de dizer o que for preciso para fazer passar a sua mensagem. Mais ou menos o que fazia Vale e Azevedo, se formos bem a ver.