sexta-feira, 24 de março de 2017

A UEFA e a Superliga Europeia

Na última entrevista dada à CMTV, Luís Filipe Vieira referiu, de forma algo misteriosa, que existe uma estratégia por trás das vendas tabeladas que Mendes tem feito de jogadores do Benfica. Vieira acrescentou que tudo ficará claro daqui a dois anos e, pouco depois, disse que o pagamento da dívida - razão para a qual o presidente do Benfica atribuiu a necessidade de vender jogadores - está relacionado com as mudanças que se perspetivam na Europa. Os entrevistadores perguntaram se essas mudanças estariam, de alguma forma, relacionadas com a criação de uma Superliga europeia. Vieira deixou claro que o Benfica está a posicionar-se para integrar essa competição, caso venha a ser criada.


Na verdade, não é a primeira vez que vejo referências à ligação das vendas do Benfica via Mendes com um projeto de Superliga europeia. De forma bem mais direta, Pippo Russo, no livro que recentemente publicou sobre Jorge Mendes - intitulado M. A Orgia do Poder, que será publicado em português em abril -, escreveu que a venda inflacionada de Renato Sanches ao Bayern pode estar relacionada com esse projeto, referindo também que Karl-Heinz Rummenigge, administrador do clube bávaro, está obcecado pela criação da Superliga.

Não é claro qual o papel que Jorge Mendes possa ter na criação de uma Superliga, mas é, muito possivelmente, a pessoa que melhores condições tem para coordenar uma empreitada destas fora do círculo da UEFA: tem contactos privilegiados com muitos dos maiores clubes europeus e tem ligações próximas com poderos grupos económicos com vontade de investir no futebol.

Em relação aos clubes, é fácil perceber a atração por uma liga fechada composta pelos mais importantes emblemas do velho continente: tornar-se-ia, facilmente, a maior e mais interessante competição de clubes do mundo e, consequentemente, aquela que maiores receitas geraria. E avaliando pelos sinais que têm sido dados pelos vários interessados, seria criada à margem da UEFA - o que também se compreende: para quê ter um intermediário que absorve uma percentagem tão grande das receitas, quando os clubes poderiam criar a sua própria organização para gerir a competição?

Obviamente que o aparecimento da Superliga levanta questões importantíssimas, nomeadamente no que diz respeito ao impacto que isso teria nas atuais competições, nacionais e europeias. Algumas ligas nacionais sofreriam um golpe profundo, mas a Liga dos Campeões seria, inevitavelmente, a competição mais afetada - imagine-se como seria sem equipas como o Real Madrid, Barcelona, Manchester United, Chelsea, Arsenal, Manchester City, Bayern, Dortmund, Juventus ou PSG. O interesse do público cairia a pique e, como consequência direta, a capacidade de atrair patrocinadores e outro tipo de receitas desceria radicalmente. 

O mesmo se aplica às ligas nacionais. As ligas inglesa, espanhola e alemã, que geram receitas anuais na ordem dos milhares de milhões de euros, não estarão minimamente interessadas em perder preponderância. O mesmo se aplica a todas as outras ligas e federações de segunda linha, que deixariam de ter acesso ao mesmo patamar competitivo que os tubarões europeus. E quando as federações não estão felizes, o comité executivo da UEFA também não pode estar feliz.

Não admira, portanto, que Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, tenha ontem sido muito claro ao dizer que, durante a sua presidência, nunca permitirá que se crie uma Superliga fechada. É evidente que a UEFA não estará minimamente interessada em que lhe matem a galinha dos ovos de ouro, e é expectável que utilize todos os meios que tem à sua disposição para impedir que essa Superliga nasça à sua revelia.


O tema é muito interessante, a vários níveis. Qual é a estratégia dos clubes interessados para concretizar este projeto? Qual o papel que Jorge Mendes tem em tudo isto? Até que ponto os clubes que entrassem nesta Superliga cortariam em definitivo os laços com as competições nacionais? Qual o impacto que tudo isto teria numa competição como a liga portuguesa? Estarão as federações nacionais dispostas a abdicar de alguns dos seus principais membros? Que medidas de bloqueio estará a UEFA a preparar como resposta?

Aguardemos por respostas para algumas destas perguntas ao longo dos próximos dois anos.