quarta-feira, 25 de outubro de 2017

A greve

A APAF anunciou na segunda-feira passada que os árbitros farão greve aos jogos da Taça da Liga que se disputarão em novembro e dezembro. Segundo a associação liderada por Luciano Gonçalves, na base da decisão tomada está a "asfixia constante em torno do papel do árbitro", em particular "nos últimos tempos", o que, segundo o órgão representativo da classe, impede que existam condições para continuar a arbitrar.

Ao que parece, a APAF tem andado distraída: o ambiente de asfixia da arbitragem já existe há pelo menos três anos, desde os tempos em que a atuação de Vítor Pereira, Ferreira Nunes e companhia ficou demasiado óbvia para qualquer pessoa que acompanhe o fenómeno com um mínimo de atenção. Como se aplicou essa asfixia? Criando um sistema de nomeações, avaliações, promoções e despromoções que opera em função dos interesses de um único clube. 

A asfixia que os árbitros dizem sentir não é mais do que uma consequência da asfixia aplicada que eles próprios aplicam aos rivais do clube do sistema. Infelizmente, poucos árbitros tiveram coragem (ou interesse) em denunciar a asfixia de que foram alvo nos anos do anterior CA, e foi isso que levou ao atual estado das coisas. Aqui, podemos fazer a divisão dos árbitros em dois grupos: o primeiro é formado pelos padres que já tinham sido ordenados na altura em que Adão Mendes fazia recomendações a Pedro Guerra, e pelos novos padres que entretanto foram sendo promovidos segundo o método de Ferreira Nunes; o segundo grupo é composto pelos árbitros que, não partilhando o ideal do clube do sistema, já perceberam o que têm de fazer para não lhes darem cabo das notas e poderem permanecer na 1ª categoria, onde os cheques que recebem no final do mês são bem mais atrativos. Enquanto os primeiros são a força motriz do sistema, os segundos são coniventes e não percebem que as suas tomadas de posição corporativistas apenas servem para manter o status quo.

Perante isto, a greve anunciada aos jogos da Taça da Liga não é mais do que um expediente de vitimização sem qualquer lógica, e que é simples de desmontar:

a) O timing: porquê agora? O ambiente está mais asfixiante agora do que estava há um mês, ou há seis meses - quando tomámos conhecimento dos emails e dos padres -, ou mesmo há dois anos - quando se ficou a saber que o Benfica oferecia vouchers de refeição a meio mundo? Claro que não. O Sporting e o Porto, enquanto vozes mais sonoras de oposição ao atual sistema, não têm endurecido o tom do seu discurso nos "últimos tempos" (para usar a mesma expressão da APAF), pelo que o momento escolhido não faz sentido.

b) O âmbito: porquê apenas aos jogos da Taça da Liga? Só não há condições para arbitrar, então não faz sentido limitar a greve a uma única competição. Por que não fazem greve aos jogos da Liga?

Propositadamente ou não, a verdade é que anúncio da greve acabou por ser bastante conveniente para desviar a atenção daquilo que sucedeu no último fim-de-semana: num jogo em que o Benfica não se podia dar ao luxo de perder mais pontos, calhou ter sido feita a primeira nomeação da época de um padre (Nuno Almeida, neste caso) para um jogo do Benfica, calhou haver um erro grave a favorecer o Benfica, numa altura em que calhou o VAR estar inoperacional - como muito bem escreveu José Manuel Ribeiro na sua coluna de opinião do jornal O Jogo:


Existe uma outra questão paralela que merece atenção: até que ponto a polémica do fim-de-semana será utilizada para fragilizar a Liga de Clubes? Talvez valha a pena estarmos atentos às respostas da FPF aos pedidos de esclarecimento da Liga sobre a quebra do VAR na Vila das Aves...