quarta-feira, 4 de outubro de 2017

A união no Sporting

Na passada sexta-feira o Sporting realizou a Assembleia Geral para apresentação das contas de 2016/17, que se iniciou, como tem vindo a ser habitual, com uma intervenção de Bruno de Carvalho transmitida pela Sporting TV. Essa intervenção foi bastante virada para dentro do clube e, em particular, para assuntos que dizem respeito, direta ou indiretamente, ao próprio presidente.

Parece-me que a principal ideia que Bruno de Carvalho tentou fazer passar no seu discurso é que se sente incomodado por não sentir a existência de uma união generalizada dos sportinguistas em torno das guerras que estão a ser combatidas ou em assuntos em que sente estar a ter um tratamento desigual, como é o caso dos múltiplos castigos de que tem sido alvo.

A questão da falta de união total no Sporting é factual, e um problema antigo. O espírito crítico é uma qualidade importante em qualquer circunstância, mas, no caso dos sportinguistas, a facilidade com que se critica e se gera ondas de indignação atinge dimensões doentias. Qualquer questão - como o preço das Gameboxes, o preço de bilhetes para não detentores de Gameboxes, o design da camisola alternativa, o número de inaugurações do pavilhão, o preço dos bilhetes no pavilhão, as frases inscritas na base da estátua do leão, o local onde foi colocado o painel de quem participou na Missão Pavilhão, a ausência de fulano da convocatória ou do onze, a presença de sicrano na convocatória ou no onze, a utilização excessiva de Bryan Ruiz em 2016, o afastamento do plantel de Bryan Ruiz em 2017, o crime que é não ter Iuri ou Geraldes no plantel, o fraco rendimento de Iuri quando passa a fazer parte do plantel, a presença do presidente no banco de suplentes, o facto de o presidente dar um beijo à esposa no camarote presidencial, ou o casaco de cabedal que o presidente usa numa entrevista - é fervorosamente debatida e criticada como se de um assunto de Estado se tratasse, e como se disso dependesse a continuidade do clube.

Efetivamente, existem algumas características tipicamente sportinguistas que levam a que raramente exista um momento de paz generalizada no clube. Muito facilmente se ultrapassa a linha da antipatia pessoal para o ódio, o que leva a que exista uma linha de fogo ininterrupta sobre as pessoas de quem não se gosta (presidente, treinador, jogador x, y ou z), independentemente do momento desportivo  que o clube atravesse. É algo que nos distingue (para pior, na minha opinião) de benfiquistas e portistas, onde é raro ouvir vozes dissonantes quando o momento desportivo é suficientemente bom para se acreditar em conquistas nas competições que estão em disputa.

Acho que é muito importante que exista massa crítica e espírito crítico no clube, de sócios informados e capazes de avaliar a qualidade do trabalho que está a ser feito aos mais diversos níveis, mas seria melhor se se doseasse a crítica de forma mais equilibrada. Penso que há muita gente que tem dificuldade em separar aquilo que tem importância suficiente para ser debatido publicamente daquilo que é pouco relevante. Isto porque, hoje em dia, o espaço privilegiado para expor estas indignações não é num círculo fechado de um pequeno grupo de amigos: o mais normal é fazerem-no nas redes sociais, em espaços abertos ou grupos frequentados por centenas ou milhares de pessoas. Alimentar indignação nunca foi tão fácil como é agora.

De notar que quando faço estas observações refiro-me a sócios e adeptos normais, aqueles que não têm agendas particulares e que apenas desejam o melhor para o clube. Reconheço-lhes o direito à crítica e louvo-lhes a preocupação, mas acho que deviam pensar duas vezes antes de malhar naqueles que estão a representar ou a defender o clube. No mínimo, deviam primeiro tentar colocar-se no lugar daqueles que criticam, para tentar perceber o motivo de determinadas atitudes ou decisões.

Por isso, acho que Bruno de Carvalho tem motivos válidos para fazer o apelo aos sportinguistas para fazerem um esforço para remarem todos na mesma direção. Falta solidariedade por quem dá todos os dias a cara pelo Sporting, mas já nem vou por aí: se a energia despendida em críticas sobre assuntos secundários ou irrelevantes fosse canalizada para um apoio mais efetivo nas batalhas contra os inimigos externos e na disseminação do sportinguismo por todos aqueles que ainda poderão dar mais ao clube - seja angariando sócios, detentores de Gamebox do estádio ou pavilhão, seja numa militância mais ativa dentro das possibilidades de cada um -, o Sporting seria um clube mais forte.

Agora, isso não quer dizer que o próprio presidente não deva fazer, também ele, um exercício de autocrítica. Isto porque também tem responsabilidades em parte do desgaste que a sua imagem tem sofrido. Bruno de Carvalho tem feito um grande trabalho ao nível da recuperação do clube, financeira e desportivamente, mas não pode pensar que está isento de falhas. Por exemplo, na AG, Bruno de Carvalho constatou que a sua mensagem não tem passado para os sócios e adeptos da forma que desejava, mas não pode colocar a responsabilidade exclusivamente do lado do recetor. Bruno de Carvalho, enquanto emissor, tem de refletir se a forma de comunicar que tem usado é a mais adequada para atingir os fins desejados.

Na minha opinião, a forma de comunicar não tem sido a mais adequada. Longe disso. Vou pegar no exemplo dado por Bruno de Carvalho na AG: na última entrevista dada à Sporting TV, o presidente tinha, efetivamente, muitas ideias importantes para passar. O problema é que essas ideias acabaram por ser abalroadas para segundo plano pelo longa duração da entrevista e pelo nível de teatralidade utilizado - que em vez de ajudar a esclarecer, apenas funcionou como elemento de distração e ajudou a consumir a paciência de muitos dos que assistiam ao programa, para além de ajudar os adversários a inundar os locais de debate com questões acessórias e a fugir à discussão do que era essencial.

O presidente não deve ver estas observações como um "era melhor estar calado". Eu estou convicto de que o presidente deve falar publicamente SEMPRE que a atualidade assim o exigir, mas também acho que tem a obrigação de procurar ser mais eficaz nos momentos em que o escolhe fazer. E, já agora, não obstante tudo o que escrevi anteriormente, Bruno de Carvalho deveria ter melhor poder de encaixe à crítica: não só porque algumas são totalmente legítimas, como também podem estar a ser feitas com a melhor das intenções.

P.S.: Se as eleições fossem hoje, votaria em Bruno de Carvalho. Se as eleições forem, como se espera, em 2021, mesmo que o Sporting não ganhe nenhum campeonato de futebol até lá, voltarei a votar em Bruno de Carvalho se a qualidade geral do seu trabalho se mantiver. Continuo a achar que é a pessoa certa no lugar certo. Por isso, sinto-me à vontade para escrever o seguinte: o presidente devia refletir SERIAMENTE na viragem da imagem que muitos sportinguistas têm de si. Falo daqueles que o apoiaram desde o primeiro dia. Muitos sportinguistas com quem falo estão convencidos que os dias do "O Sporting é nosso" já lá vão, e que gradualmente tem sido substituído por uma espécie de "O Sporting é meu". Infelizmente, têm sido vários as ocorrências que têm contribuído para a implantação dessa ideia em pessoas que faziam parte da sua base inicial de apoio, e naqueles que, durante muito tempo, foram seus indefectíveis defensores contra tudo e contra todos. Não vou estar aqui a listar as situações que ocorreram que me levam a fazer esta observação final, porque o meu objetivo não é explorar a polémica - é apenas alertar para o impacto que determinadas atitudes e decisões do presidente têm tido na sua popularidade. O sentimento geral que recolho das opiniões que, de uma forma ou outra, vou tendo (é uma amostra pequena, obviamente, mas que pode ser representativa de uma parte do universo sportinguista), é que o apoio massivo que Bruno de Carvalho teve nas últimas eleições legitima-o para guiar o Sporting seguindo as estratégias que julgue mais adequadas, mas sempre dentro de determinados limites - sendo que esses limites têm sido, ultimamente, ultrapassados numa ou outra ocasião, de uma forma que fica muito difícil de encaixar até para os mais apreciadores do seu trabalho. E isso poderá contribuir para que, no futuro, a sua popularidade esteja muito mais dependente dos resultados do futebol do que alguma vez esteve até aqui. Será uma pena se isso acontecer.