sexta-feira, 3 de novembro de 2017

As contas dos três grandes

Finalmente, já se pode fazer uma comparação entre os relatórios anuais de Sporting, Benfica e Porto. Comecemos pelos proveitos operacionais:


À semelhança do que se tem verificado nas últimas épocas, o Sporting consegue ter números idênticos aos de Benfica e Porto naquilo que depende diretamente dos seus adeptos. Ao nível da vertente corporate, no entanto, continua distante dos seus rivais, apesar de se verificar uma certa aproximação em algumas dessas componentes.


Direitos TV: os valores que o Sporting recebe atualmente são superiores aos do Porto, graças à renegociação do contrato com a PPTV. Em 2017/18 os valores deverão manter-se, com a possibilidade de haver ligeiras variações em função daquilo que se receberá do marketpool da UEFA. O Benfica cumpriu o seu primeiro ano do novo contrato televisivo, conseguindo, com isso, um aumento significativo em relação à época anterior. Esta vantagem do Benfica manter-se-á em 2017/18, mas deverá ser anulada em 2018/19 com a entrada em vigor dos contratos de Sporting e Porto com a NOS e Meo, respetivamente.

Bilhetes de época: a qualificação direta para a Liga dos Campeões, depois de uma época de ausência, permitiu ao Sporting registar um aumento de 24% nas receitas com os bilhetes de época em 2016/17. Um aumento significativo que coloca o Sporting à frente dos rivais - e a uma grande distância do Porto.

Bilheteira: a fraca prestação desportiva do Sporting fez com que esta fonte de receitas estagnasse face a 2015/16. As excelentes casas com o Real Madrid e Dortmund acabaram por compensar, de certa forma, as receitas que se deixou de fazer nas competições internas, das quais nos deixámos afastar muito prematuramente. O Benfica foi, como se esperava, a equipa que mais dinheiro fez com a bilheteira, graças à excelente carreira nas competições nacionais e na Liga dos Campeões, que proporcionaram várias casas cheias. É previsível que em 2017/18 o panorama mude, se se confirmar a provável eliminação nas competições europeias e se se mantiver uma prestação abaixo das expectativas no campeonato.

Merchandising: o Benfica é a equipa que, de longe, mais dinheiro faz nesta categoria. Note-se, no entanto, que as receitas de merchandising pertencem ao clube, e não à SAD benfiquista. Apenas coloquei aqui os valores para haver um termo de comparação. O Sporting registou um aumento de 21% face a 2015/16, mas continua, na minha opinião, longe de explorar de forma perfeita o seu merchandising. A gama de produtos disponíveis continua reduzida - apesar de estar a melhorar - e as limitações físicas da loja verde também não ajudam.

Camarotes e Business Seats: apesar de ter mantido em 2016/17 o ritmo de crescimento das suas receitas corporate na ordem dos 15%, o Sporting continua a uma grande distância dos seus rivais. Continua a haver muito trabalho a fazer nesta área - não é compreensível que continue a haver tantos camarotes vazios em Alvalade.

Patrocínios e publicidade: as receitas do Sporting aumentaram 18% em relação a 2015/16 porque, ao contrário dessa época, houve patrocinador da camisola durante 2016/17 completo. Ainda assim, é um crescimento que, para mim, fica abaixo das expectativas. O fosso para o Benfica, que continua a ser o clube mais capaz de atrair patrocinadores, é muito significativo.

Prémios UEFA: a vantagem do Benfica e Porto para o Sporting é enorme, graças à boa campanha na fase de grupos de ambos os clubes e ao apuramento para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões. O Sporting somou pouco mais do que o prémio de participação, pois ganhou apenas um jogo nos seis em que participou. Esta época, graças à vitória no playoff e perante a perspetiva de conseguir mais pontos e continuar a carreira na Liga Europa, é expectável que o Sporting tenha um nível de receitas bastante mais interessante.


Quanto aos custos operacionais, o Sporting voltou a aumentar os gastos com os salários da equipa de futebol, aproximando-se do Porto. Ainda assim, continuou a ser o clube que menos gastou, já que o Benfica também registou um aumento semelhante. O Sporting continua a ser, de longe, o clube que menos custos tem ao nível dos FSE's (contratação de serviços, deslocações e estadias, comissões, gastos com publicidade e propaganda, honorários, etc.).


Um dos pontos fulcrais passa pela realização de mais-valias na transferência de jogadores. Os números apresentados foram os seguintes:


Pela primeira vez em muitos anos, o Sporting conseguiu ter vendas superiores às do Porto, graças, sobretudo, às transferências de João Mário e Slimani realizadas no início de 2016/17. Nestas contas ainda não entra a venda de Adrien Silva para o Leicester. O Benfica conseguiu um conjunto de vendas excecional, em que encaixou não só valores consideráveis com algumas das figuras da equipa, mas também amealhou mais uns milhões significativos com vendas de percentagens de passes que não faziam parte do plantel e direitos sobre mais-valias de atletas vendidos em anos anteriores: Ederson, Lindelof, Gonçalo Guedes, Hélder Costa, Sidnei, André Gomes, Marçal e Nelson Oliveira. As vendas de Nelson Semedo e Mitroglou foram fechadas já em 2017/18. Muitos destes negócios foram realizados em mendilhões, pelo que devem ser tomadas as devidas reservas em relação ao dinheiro que efetivamente entrou nos cofres benfiquistas.

Uma coisa se mantém: todos os clubes teriam apresentado resultados negativos se não fossem as mais-valias realizadas com a transferência de jogadores. Infelizmente, o Sporting aproximou-se bastante dos maus vícios dos seus rivais, devido a um significativo aumento dos gastos salariais com o plantel que não foi acompanhado por um crescimento proporcional das receitas ordinárias.


Para concluir, observemos os números do endividamento bancário e obrigacionista:


Benfica e Sporting aproveitaram as vendas realizadas para reduzir o seu endividamento. De notar que o Sporting o reduziu em cerca de 5 milhões, mas a maior fatia dos reembolsos foi calendarizada para julho de 2017, ou seja, já fora do período deste relatório e contas. Será expectável, portanto, que o Sporting registe, no 1º trimestre de 2017/18, uma redução ainda mais significativa dos seus empréstimos bancários. O Benfica conseguiu, pela primeira vez, abater de forma acentuada o seu endividamento, em cerca de 30 milhões. Veremos se esta tendência será ou não para se manter. No Porto, devem estar a tocar todos os alarmes: neste período de quatro anos sem títulos, o endividamento da SAD mais que duplicou (de 91,8 para 191,9 milhões). Uma cavalgada preocupante que demorará tempo a ser corrigida: duvido que os cortes que o Porto realizou sejam suficientes para inverter este cenário já em 2017/18, pelo que o endividamento deverá continuar a subir.

Resumindo, as contas de Sporting e Benfica são positivas, mas estão demasiado dependentes da realização de mais-valias em vendas. O Sporting tem uma estrutura de custos bastante controlada, mas podia e devia controlar melhor os gastos com o plantel - há vários jogadores com salários elevados que não dão o retorno desportivo esperado - e tem de apostar mais fortemente em determinadas fontes de receitas que estão a ser subaproveitadas.

No caso do Benfica, parece-me difícil que esta conjugação de fatores - sucesso desportivo arrasador e valorização exponencial de ativos - se prolongue muito mais no tempo. Mesmo considerando que o Benfica é o clube com fontes de receitas mais diversificadas, continua a ter uma estrutura de custos pesadíssima para manter a máquina a funcionar, o que poderá constituir um risco enorme para as contas caso os resultados desportivos e a valorização de atletas comece a abrandar. Como se viu no caso do Porto, bastou um par de épocas más para a SAD entrar numa espiral de prejuízos difícil de inverter - sendo que, no caso do Benfica, o nível de dependência atual do dinheiro alheio é incomparavelmente superior ao que o Porto tinha quando acabou o seu ciclo de hegemonia.

O Porto continua metido numa espiral terrível. Continua a apresentar receitas ao nível do Sporting e custos ao nível do Benfica, o que se traduz em prejuízos consideráveis e difíceis de inverter. A SAD parece consciente para isso e a ausência de investimento na equipa de futebol neste defeso ajudará a abrandar o nível de perdas. No entanto, em contrapartida, os custos com salários continuam muito elevados, a estrutura não parece estar a sofrer grandes cortes, e ainda há a compra definitiva de Oliver por 20 milhões que está agendada para dezembro de 2017 - o que significa que o Porto continuará a estar demasiado dependente das vendas de jogadores para apresentar resultados positivos. O porta-aviões começou agora a mudar de direção, para já de forma algo lenta. A velocidade da inversão de rumo dependerá da rapidez e dimensão dos cortes ao nível da equipa de futebol e da estrutura.