terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Balanço do VAR

O International Board publicou ontem um documento em que são apresentadas algumas estatísticas relativas à utilização do VAR em jogos oficiais na época em curso.


Das estatísticas apresentadas, destacaria as seguintes:

  • Número médio de utilização ao VAR é inferior a cinco por jogo, em que a maioria se faz com o jogo a decorrer ou em momentos em que o jogo já está interrompido - ou seja, não há impacto na fluidez da partida;
  • É detetado um erro claro a cada três jogos, dentro das categorias de decisões que podem ser revistas;
  • O recurso ao VAR teve influência decisiva em 8% das partidas, e influência positiva em 24%;
  • O tempo médio de decisão nas situações em que o árbitro de campo não recorre ao ecrã (ou seja, a revisão é feita exclusivamente pelo VAR) é de 39 segundos; o tempo médio de decisão nas situações em que o árbitro de campo recorre ao ecrã é de 70 segundos;
  • O tempo gasto na revisão de decisões representa menos de 1% do total de um jogo - o que é insignificante quando comparado com o tempo que se perde na marcação de livres (9,5% do tempo total de jogo), lançamentos laterais (8%), pontapés de baliza (6%), cantos (4,5%) ou substituições (3,5%);
  • Um em cada vinte erros claros acabam por não ser corrigidos pelo VAR; o IFAB considera esta média encorajadora, mas que há margem para melhorar - seja com a experiência que entretanto se for acumulando, seja com formação específica.


O documento inclui também um esclarecimento importante sobre uma questão que tem sido falada nas últimas semanas: em que situações o árbitro de campo deve consultar as imagens:



O árbitro de campo pode delegar no VAR situações objetivas que permitem decisões factuais, como o fora-de-jogo, local de uma falta (dentro ou fora da área), ponto de contacto, bola a sair de campo antes de um golo ou penálti. Em tudo o que envolva alguma subjetividade, como a gravidade de uma falta, situações de dúvida de bola na mão ou mão na bola, ou interferência na jogada em situações de fora-de-jogo, deverá ser o próprio árbitro de campo a consultar as imagens e a tomar a decisão.

As conclusões preliminares do IFAB em relação à utilização do VAR são amplamente positivas, e vêm ao encontro das expetativas que tinham os defensores da ferramenta. Obviamente que nem tudo é perfeito - é preciso haver maior uniformidade no recurso ao VAR e nas tomadas de decisão, que parecem ainda depender demasiado de árbitro para árbitro, e, obviamente, a qualidade das tomadas de decisão está diretamente ligada à qualidade dos recursos humanos à disposição -, mas creio que, neste momento, serão poucos aqueles que continuam a ver o VAR como um bicho papão que vai destruir a fluidez do jogo e acabar com a essência do futebol.

Apesar de tudo o que ainda há para aperfeiçoar, parece-me indiscutível que os erros grosseiros diminuiram significativamente em relação à época passada, e, assumindo que existe boa fé em todos os envolvidos, certamente que ainda diminuirão mais com o passar do tempo.


Vale a pena recordar

Vale a pena recordar que, até há bem pouco tempo, eram inúmeras as vozes na comunicação social a oporem-se ferozmente à implementação do VAR. Vítor Serpa, por exemplo, antecipava o fim do futebol (LINK):
"é a vitória do futebol de televisão contra o futebol real"
"os pequenos clubes vão ficar totalmente desprotegidos e de tantos lances a acontecerem na sua grande área, pois preparem-se que vão nascer por aí penalties como cogumelos"
"será a vitória dos comentadores encartados, contra os adeptos apaixonados"

Vale a pena recordar que, quando a ferramenta dava os primeiros passos em competições oficiais, os jornalistas que fizeram tudo para a descredibilizar sem qualquer benefício da dúvida, como Manuel Fernandes Silva, Luís Mateus (LINK) ou Nuno Farinha (LINK):
"Aqui está o videoárbitro a explicar que a polémica, ou que as polémicas não vão desaparecer do futebol"
"condenado ao fracasso" 
"não resolverá nenhum dos problemas que sempre existiram na arbitragem" 
"o melhor é mesmo partir para outra"

Vale a pena recordar o contorcionismo que o mestre cartilheiro e porta-voz em assuntos de carvão do Benfica, Carlos Janela, protagonizou assim que se viu que o VAR era uma inevitabilidade (LINK).
"a introdução do video-árbitro adultera a genética do futebol e poderá feri-lo, ao ponto de o transformar numa modalidade menor" 
"A utilização do video-árbitro nesta edição do Mundial de Clubes no Japão mostrou à evidência a impossibilidade de introduzir o video-árbitro no futebol, porque pura e simplesmente não resolve nada, traz mais problemas, mais confusão, mais polémica e afeta de forma fatal o jogo de futebol tal como o conhecemos"

Algumas destas pessoas já mudaram de opinião - resta saber se de livre vontade ou em função da atualização da cartilha - mas ainda não vi ninguém assumir que talvez tenha havido um completo exagero nas suas posições iniciais sobre o tema. São os jornalistas (e analistas) que temos.