quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Há petróleo em Alvalade

O anúncio das três contratações de inverno do Sporting tem demonstrado, mais uma vez, que as reações de muitos comentadores a situações idênticas variam consoante a cor das camisolas. Peço a vossa atenção para este pequeno vídeo em que têm a palavra José Sousa e Joaquim Rita:



É indiscutível que o Sporting é a equipa portuguesa que, até ver, investiu mais dinheiro em reforços nesta janela de transferência, assim como também é indiscutível que o Sporting é a equipa portuguesa que mais investiu no merrcado de verão. Uma situação que é nova, visto que o habitual é serem Benfica e Porto as equipas mais gastadoras.

A inflexão do discurso é evidente: quando eram Benfica (nos últimos 4 anos) e Porto (na altura em que o Porto tinha a hegemonia) os mais gastadores em contratações, muitos comentadores optavam por destacar a valia dos atletas e o músculo financeiro e desportivo que os clubes exibiam. Agora que é o Sporting, temos que gramar com bocas do tipo "há petróleo em Alvalade" e que estão a ser jogadas "as fichas todas", como se fosse um ano de tudo ou nada.

No que é que ficamos? Poderá o Sporting gabar-se igualmente de estar a exibir "músculo financeiro", ou estamos perante uma gestão irresponsável que, caso não ganhe o título, pode colocar em causa o equilíbrio das contas e da tesouraria da SAD? A resposta, como é hábito, não se situa em nenhum dos dois extremos.


O impacto nas contas: investimento vs custo


Estará o Sporting a arriscar-se a um enorme prejuízo por causa destas contratações? A resposta é simples e direta: não.

O significativo aumento dos gastos com salários registado ao longo das últimas três épocas colocaram o Sporting numa situação em que é obrigado a recorrer à venda de jogadores para equilibrar os resultados operacionais. Aquilo que o Sporting recebe de direitos televisivos, de publicidade, de bilheteira, de merchandising e de prémios da UEFA não é suficiente para cobrir os salários da equipa de futebol e as despesas de funcionamento da SAD. Como tal, se não vender, apresentará um prejuízo significativo, à semelhança do que acontece com os rivais. Ainda assim, os rivais têm uma dependência ainda maior da realização de mais-valias de vendas de jogadores.

No entanto, estas três contratações (cujo valor total deve rondar os 10 milhões) não vêm alterar muito o panorama, por causa da questão investimento vs custo. Ao contrário dos salários, que são custo puro, os valores investidos em passes de jogadores são considerados como investimento, o que significa que vão sendo convertidos em custo de forma diluída, ao longo da duração de contrato dos jogadores. Se os três jogadores tivessem assinado contratos de 5 anos, então, esta época, o acréscimo de custos rondaria os 2 milhões (1/5 dos valores da compra) mais os seus salários (que não devem ser muito elevados). Ou seja, acaba por ser um acréscimo pouco significativo em relação ao nível de custos que já tinha sido orçamentado para esta época.


O impacto na tesouraria

A questão da tesouraria é diferente. Se o Sporting se comprometeu a pagar uma percentagem importante dos 10 milhões a pronto, então terá de ter dinheiro fresco para os pagar de imediato. Desconheço a situação de tesouraria atual, ou seja, quanto dinheiro disponível que o Sporting tem nas suas contas, mas é bem possível que seja necessário aumentar o endividamento (seja através de empréstimos bancários de curto prazo, seja através da antecipação de receitas). Essa necessidade dependerá também das vendas que se façam neste período de transferências: obviamente que, vendendo agora um ou mais jogadores excedentários, o dinheiro que se receba poderá ser utilizado de imediato nos compromissos assumidos com a aquisição de Wendel, Misic e Rúben Ribeiro.

Teremos que esperar pelo final da janela de transferências para fazer esse balanço.


A importância da reestruturação financeira

Ao contrário do que aconteceu nos dois primeiros anos de gestão de Bruno de Carvalho, o Sporting está hoje dependente de vendas de jogadores algo significativas. No entanto, o esforço de reequilíbrio levado a cabo aquando da reestruturação financeira ainda está a produzir efeitos, permitindo que o Sporting não esteja tão dependente de vendas como os seus rivais, pelos seguintes motivos:
  • Benfica e Porto têm custos de estrutura superiores (entre 25 a 30 milhões/ano a mais) 
  • Benfica e Porto e custos com juros superiores (entre 10 a 12 milhões/ano a mais)

Só aqui, são menos 35 a 40 milhões de euros de custos anuais que o Sporting tem de compensar à partida com receitas ordinárias ou com mais-valias de vendas de jogadores (não confundir com valores de vendas de jogadores). Para o bem e para o mal, o Sporting tem uma concentração de recursos muito superior na sua equipa de futebol - o que, por um lado, reduz a necessidade de receitas para ter orçamentos para o futebol ao nível dos rivais, mas, por outro, leva a que não haja departamentos de apoio tão funcionais - como em áreas como o marketing, área comercial ou corporate.

Será também importante que o Sporting mantenha a sua política de pagamento de comissões, caso contrário ficará bastante mais complicado realizar as mais-valias necessárias para manter o equilíbrio das contas.


O impacto desportivo

Numa época em que apenas o campeão se apurará diretamente para a Liga dos Campeões, e em que o terceiro classificado irá direto para a Liga Europa, é duplamente fundamental a conquista do título. Como tal, é importantíssimo que se acerte nas contratações. Wendel é um jogador caro mas muito promissor, que vem na linha de contratações como as de Bruno Fernandes, Acuña ou Dost. Há um maior risco associado, claro, mas as probabilidades de se acertar são bastante superiores, bem como o seu potencial de valorização. Misic entra numa lógica semelhante à de Piccini, Ristovski ou Battaglia, de custo moderado, mas também com potencial de crescimento e valorização. Rúben Ribeiro é a contratação mais barata e com menor potencial de valorização, mas é um jogador que vem para acrescentar desportivamente no imediato - não como titular, mas para dar maior profundidade ao plantel.

Convém não esquecer que o sucesso desportivo e a participação na Liga dos Campeões ajudam muito na tarefa de valorizar atletas.


O investimento acumulado

Ao que parece, muitos comentadores esqueceram-se de que o investimento acumulado dos últimos anos de Benfica e Porto é muito superior ao do Sporting. Se o Sporting "perdeu a cabeça" ao contratar Dost por 10+2M, Acuña por 10M, Bruno Fernandes por 8,5M ou Alan Ruiz por 7M (e agora Wendel por 7,5M), Benfica e Porto têm cometido loucuras bem superiores.

O Benfica contratou Jimenez por 22M (mendilhões, é certo, mas com impacto nas contas como se fossem milhões), Rafa por 16M, Pizzi por 14M, Samaris por 10M, Mitroglou por 7M, Jovic por 7M, Carrillo por 6,5M, Zivkovic por 6+3M ou Cervi por 6M. 

O Porto contratou no mês passado Oliver por 20M, mas também Imbula por 20M, Corona por 10,5M, Alex Telles por 6,5M, Depoitre por 6,5M, Boly por 6,5M, Felipe por 6,2M ou ainda Layun por 6M, 

No caso do Benfica, há uma agravante: enquanto o Sporting contrata quase exclusivamente com a ideia de reforçar a sua equipa principal, o Benfica, todos os anos, contrata um camião de jogadores que não tem qualquer intenção de integrar no seu plantel.

Em todos os clubes houve casos de sucesso e de insucesso, mas, até ver, diria que o aproveitamento do Sporting nas suas grandes compras tem sido bastante positivo. Não sei se o mesmo poderá ser dito no caso dos rivais. E, curiosamente, não me lembro de na altura ter ouvido comentários sarcásticos sobre haver petróleo na Luz ou no Dragão.


Conclusão

Investir mais dá maiores hipóteses de acertar nas contratações. Acertar nas contratações aumenta as chances de sucesso desportivo. Sucesso desportivo contribui para a valorização dos jogadores e para a realização de maiores encaixes.

É indiscutível que o Sporting tem arriscado mais em contratações avultadas do que era hábito, mas essas contratações têm-se revelado, genericamente, bastante acertadas. O aumento dos gastos no futebol coloca o Sporting na obrigação de vender mais do que o desejável, mas falamos de valores que, olhando para o plantel atual, parecem perfeitamente alcançáveis: o Sporting precisará de fazer duas boas vendas (na casa dos 20 milhões de mais-valias cada) ou uma GRANDE venda (na ordem dos 40 milhões de mais-valias). Olhamos para o plantel e, em ano de mundial, não parece uma missão assim tão complicada, pois William Carvalho, Acuña, Bruno Fernandes, Bas Dost, Battaglia, Coates e, sobretudo, Gelson, são jogadores com mercado e que darão certamente bons (ou grandes) encaixes numa futura transferência.

E convém não esquecer um outro pequeno-grande pormenor: na próxima época, entrará em vigor o novo contrato de direitos televisivos assinado com a NOS, que assegurará um novo aumento importante de receitas.

Por fim, esclarecendo José Sousa: não, não há petróleo em Alvalade. Como tal, existem riscos nesta aposta forte do Sporting na sua equipa de futebol. No entanto, face ao que está em jogo esta época, face ao bom uso que tem sido dado ao dinheiro, e face à valorização em curso dos jogadores do plantel às ordens de Jorge Jesus, é um risco que me parece perfeitamente calculado e razoável.