quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Os pagamentos indiretos do Benfica via escritórios de advogados

As notícias que têm saído ao longo dos últimos meses sobre as suspeitas de corrupção que recaem sobre o Benfica têm referido que o Ministério Público desconfia que o clube recorre a escritórios de advogados para servirem de intermediários no pagamento de favores ilícitos, sob o pretexto de prestação de serviços jurídicos.



Como é que funciona este esquema na teoria? Se a entidade B quer entregar uma soma avultada ao fulano A, não o faz diretamente. A entidade B pede ao escritório de advogados E que entregue uma determinada verba ao fulano A - o método escolhido pode variar em função da atividade de pessoas de confiança de A (ex.: se A tiver um irmão que é dono de uma empresa de brindes, o escritório E faz uma compra fictícia de brindes e entrega o dinheiro a A através do irmão), e, mais tarde, o escritório de advogados E passa uma fatura de serviços jurídicos à entidade B.

Desta forma, fica tudo devidamente declarado - a entidade B pode justificar o gasto nas suas contas, e o fulano A facilmente arranja forma de justificar o dinheiro que lhe chegou às mãos -, sem que haja nenhuma ligação direta entre a entidade B e o fulano A.

Os emails divulgados demonstram que, efetivamente, o Benfica utiliza escritórios de advogados como intermediários para fazer pagamentos aos quais não quer ficar associado. O caso concreto de que vou falar não é um caso necessariamente ilícito, mas eticamente é bastante questionável.


O "assunto" delicado

A partir deste momento, vou abordar um tema que já foi referido por outros blogues, mas acrescento-lhe alguns elementos que ainda não tinham sido divulgados.

No dia 9 de setembro de 2010, Paulo Gonçalves recebeu um email do advogado José Luís Seixas, do escritório Correia, Seara, Caldas e Associados, com o assunto "No Name Boys". Esse email não é mais do que o reencaminhamento de uma mensagem de um outro advogado, chamado Nuno Areias, pertencente a um outro escritório - neste caso João Nabais e Associados.


Não é referido no email qual é o "assunto" delicado referente aos No Name Boys, mas esta notícia (LINK) pode lançar uma luz sobre o que se trata:


Alguns meses antes (a notícia é de maio de 2010), o advogado Nuno Areias representara membros dos No Name Boys num julgamento por tráfico de droga. Considerando a intenção de avançar para recurso que se pode ler no último parágrafo da notícia, é bastante possível que, à data do email enviado a Paulo Gonçalves, Nuno Areias fosse ainda advogado desses membros da claque benfiquista.


A "ponte"

No dia seguinte, ou seja, a 10 de setembro de 2010, Paulo Gonçalves envia um email a Miguel Moreira e a Domingos Soares de Oliveira, onde se fica a saber qual a natureza do pedido de Nuno Areias:


Em causa estava o pagamento do Benfica à João Nabais & Associados de um determinado valor pela defesa dos membros dos No Name Boys. Não estamos, no entanto, a falar da despesa total - pois, como se pode ver no email, o mesmo procedimento já tinha sido levado a cabo pelo menos uma vez, na primeira fase do processo judicial.

E qual o procedimento? O Benfica paga à Correia, Seara, Caldas e Associados que, por sua vez, paga à João Nabais & Associados. Conforme se pode ler, José Luís Seixas serve apenas como "ponte" entre o Benfica e a empresa de advogados que fazia a defesa dos elementos da claque.


A fatura e o serviço

Conforme tinha referido, Paulo Gonçalves envia novo email imediatamente a seguir com a tal "justificação do valor em causa".


No email está um anexo que tinha sido enviado por José Luís Seixas em julho desse ano. O anexo é um documento com duas páginas:




Isto é uma fatura de 18.600€ passada pela João Nabais & Associados à Correia, Seara, Caldas e Associados, presumivelmente referente à defesa prestada pela primeira empresa aos membros dos No Name Boys. O resto do esquema é fácil de perceber: a CSCA paga à João Nabais os 18.600€ e depois passa fatura ao Benfica para receber esses mesmos 18.600€. Desta forma, o Benfica terá - alegadamente, tudo o que está aqui é alegadamente - pago a defesa dos membros dos No Name Boys num caso de tráfico de droga - volto a referir que estes 18.600€ correspondem apenas a uma tranche - sem que fique registado qualquer envolvimento direto do clube no processo.

Mas o mais delicioso nisto tudo é a designação do serviço prestado pela João Nabais & Associados: parecer sobre o regime fiscal e penal dos pagamentos em sociedades localizadas em países terceiros relativos a transferências de jogadores de futebol.

Entre os ficheiros do Benfica colocados na internet está o SAF-T da época de 2010/11, onde se pode comprovar que a CSCA faturou os 18.600€ ao Benfica e que o Benfica procedeu ao pagamento dessa quantia.



A tranche de março

No dia 17 de março de 2010, Paulo Gonçalves recebe um email de José Luís Seixas sobre o mesmo tema.


É fácil perceber que o que está a ser combinado entre José Luís Seixas e Nuno Areias é a natureza do serviço que será espetado na fatura que, desta vez, era do valor de 12.000€ (10.000€ + IVA). O pretexto, desta vez, foi um "parecer sobre o regime jurídico de prevenção da violência no desporto e a organização do espectáculo desportivo."





Para que não restem dúvidas que também aqui se fala do julgamento dos membros dos No Name Boys...



O recurso

Dois meses mais tarde, em novembro, Paulo Gonçalves dá sequência aos emails de setembro perguntando a José Luís Seixas (a "ponte" com Nuno Areias) qual o ponto de situação do recurso.


É legítimo presumir, perante isto, que o Benfica também terá - alegadamente, once again - pago as despesas do recurso dos dois membros dos No Name Boys condenados por tráfico de droga em primeira instância.


Cronologia (inclui mails que não coloquei aqui por serem redundantes)

17 de março de 2010: é combinado o pagamento de uma tranche de 12.000€
22 de março de 2010: é emitida a primeira fatura da João Nabais & Associados à CSCA
8 de abril de 2010: Nuno Areias pergunta se rececionaram a fatura e pede o seu pagamento
29 de maio de 2010: fim do julgamento com a condenação dos três representados de Nuno Areias
1 de junho de 2010: Nuno Areias diz que necessita de um reforço de 10.000€
1 de julho de 2010: Nuno Areias diz que 10.000€ é insuficiente e aumenta o valor para 18.600€ 
18 de agosto de 2010: Nuno Areias volta a pedir o pagamento
9 de setembro de 2010: Nuno Areias reforça o pedido de pagamento
10 de setembro de 2010: Paulo Gonçalves dá ordem de pagamento
15 de novembro de 2010: Paulo Gonçalves pergunta o ponto de situação do recurso

Concluindo: o Benfica terá - alegadamente, alegadamente, alegadamente - pago pelo menos 30.600€ pela defesa dos membros dos No Name Boys por tráfico de droga utilizando um escritório de advogados como intermediário. Não é de espantar, portanto, que o Ministério Público suspeite que o esquema seja utilizado para facilitar a obtenção de outro tipo de... serviços.