quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Sporting Clube de Pyongyang e Bruno de Carvalho, o pequeno ditador




Na passada quarta-feira, o jornal Público apontou as baterias para o discurso de Bruno de Carvalho no encerramento da última assembleia geral. Como se pode ver, os termos não foram nada meigos: em dois espaços de opinião, Bruno de Carvalho e o Sporting foram comparados ao regime nortecoreano, à Alemanha nazi, à Itália de Mussolini, à Santa Inquisição e à IURD. O presidente do Sporting, em particular, foi acusado, de forma bastante colorida - com recurso a analogias que referem alguns dos piores episódios da história da humanidade -, de querer controlar o pensamento dos sportinguistas e de punir sem piedade todos aqueles que não seguirem as instruções dadas.

Estas comparações são a parte mais insultuosa para Bruno de Carvalho e para a instituição Sporting - e, por inerência, a muitos dos seus sócios e adeptos. Mas eu, sócio que esteve presente na AG e que votou a favor dos três pontos em apreciação, sinto-me também insultado pelos atestados de estupidez que me foram passados pelo diretor David Dinis e pelo colunista João Miguel Tavares. Os trechos a que me refiro são:
"O presidente de um clube que pôs 90% dos associados numa assembleia geral a aceitar dar-lhe plenos poderes de julgamento, sem que algum deles saiba sob que critério serão utilizados."
"É certo (...) que apenas seis mil sportinguistas subscreveram as suas posições em assembleia geral (falta ainda escutar a opinião de 99,82% dos adeptos)"

Mais valia terem-me chamado carneiro e ignorante. Pelo menos poupavam algumas linhas de texto.

Sou apoiante de Bruno de Carvalho, mas o meu apoio não é, nunca foi, nem nunca será incondicional. Sei avaliar a qualidade do trabalho que tem sido feito por si e pela direção - quer o bom, quer o mau -, e consigo identificar virtudes e defeitos importantes na sua personalidade. Votei a favor dos três pontos em função das expectativas que tenho do uso que será dado aos poderes que estou a dar aos órgãos sociais com o meu voto - expectativas essas que se baseiam em cinco anos de acompanhamento muito próximo do trabalho e das decisões tomadas ao longo destes cinco anos. Na realidade, expectativas bastante melhor formadas do que aquelas em que o cidadão comum se baseia quando, por exemplo, se desloca às mesas de voto para umas eleições legislativas - não só não sabe que deputado está a eleger, como sabe muito pouco do Governo que poderá ser formado com a contribuição do seu voto. Sabe quem é o candidato a primeiro-ministro e conhece, de forma relativamente vaga, os pontos principais do programa de governo que foi proposto. E também nunca vi um Governo perder ou ganhar legitimidade em função do nível de abstenção registado. Para a realidade das AG's de clubes, esta foi bastante concorrida, pelo que não faz qualquer sentido que se questione a legitimidade das decisões tomadas por não terem estado presentes 99,82% dos adeptos. Aliás, nem faz sentido que, neste contexto, se fale em adeptos. Só os sócios podem votar.

Existe sempre uma certa dose de incerteza em qualquer eleição ou processo de escolha. Neste caso, os últimos cinco anos dão-me uma segurança razoável de que não haverá abuso de poder. Apesar de já existirem meios para punir sócios, apesar de o presidente ser um homem que nunca foi poupado no momento de apontar o dedo perante críticas que lhe façam, apenas dois - Godinho Lopes e Paulo Pereira Cristóvão - foram expulsos desde que Bruno de Carvalho assumiu o cargo de presidente - e nenhum dos casos foi por delito de opinião. A meu ver, até é um número que peca por escasso. Não desejo nem acredito que algum sócio venha a ser expulso por criticar - ou até injuriar - a atual direção, pois é uma punição que deve ser reservada para quem causa grandes danos ao clube ou comete atos de traição. Portanto, os poderes existentes têm sido utilizados com bom senso, e, respondendo a David Dinis, tenho boas razões para acreditar que será isso que se continuará a verificar.

Sabem a expressão "os entendedores entenderão"? Pois bem, os entendedores - aqueles que, gostando mais ou menos do homem, percebem a perseguição de que o Sporting tem sido alvo por parte da generalidade da comunicação social desportiva - entenderam o que Bruno de Carvalho queria dizer. 

Interpretar o discurso de Bruno de Carvalho como uma espécie de manifesto fascista com o propósito final de controlar informação, opiniões e ações dos associados e adeptos é um enorme exagero que apenas denuncia, na realidade, quem faz essa acusação. Só mesmo quem se deixa cegar pelo estilo de Bruno de Carvalho é que pode afirmar de forma peremptória algo que, na realidade, é impossível de pôr em prática. Como é que Bruno de Carvalho pode monitorizar os canais de televisão que uma pessoa vê em sua casa? Ou os jornais que o adepto compra quando passa por um quiosque? Ou as estações de rádio que o sócio ouve no carro? Ou os links em que todos eles carregam quando estão em frente a um computador? Em primeira, segunda, terceira e última análise, a decisão cabe única e exclusivamente a cada um dos indivíduos, sem coações de qualquer espécie. E, acima de tudo, Bruno de Carvalho não está a fazer qualquer imposição aos órgãos de comunicação social - outra característica dos regimes ditatoriais -, que poderão continuar a escrever e dizer tudo o que quiserem em total liberdade. Sujeitam-se é que os sportinguistas, usufruindo dessa mesma liberdade, não consumam o seu produto caso persistam em manter a sua falta de isenção e total desonestidade intelectual.

Não sei se David Dinis ou João Miguel Tavares são católicos praticantes, mas deviam olhar para o apelo de Bruno de Carvalho com maior benevolência do que as imposições que a Igreja Católica faz ao, por exemplo, proibir o uso de meios anticoncecionais. Sendo católicos, como aceitam isso? Seguem à risca? Ou permitem-se tomar algumas liberdades extra-doutrinárias em função das suas crenças pessoais? Seja uma ou outra a escolha, também acusam a Igreja de ser uma instituição fascista?

Não faz qualquer sentido, pois não?

Bruno de Carvalho apelou, não ordenou. Há alguma coisa de errado em sugerir aos sportinguistas que deixem de consumir o lixo diário que as televisões e os jornais emitem, como programas de paineleiros, programas de informação pseudo-independente que contam com a participação de vários cartilheiros, colunas de opinião de jornalistas desonestos que estão a soldo dos interesses de certos clubes? Pelo contrário, fez muito bem em fazê-lo. A carteira e a sanidade mental de muitos sportinguistas agradecem. 

Perante a constatação de que nada do que foi feito até agora tem travado a perseguição da comunicação social ao clube, sugeriu que os sportinguistas os atingissem no seu ponto mais sensível - o seu bolso. Aliás, a imediata e enérgica reação corporativista da classe dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social - que sempre se mantiveram calados perante o atropelo diário do código deontológico de muitos dos seus membros - demonstra a enorme preocupação que a sugestão de Bruno de Carvalho lhes causou. Percebe-se facilmente o motivo: o mercado encolhe ano após ano face ao aumento sistemático de opções de consumo, e não é nada conveniente que percam nova fatia significativa das vendas ou audiências.

Em última análise, a carga insultuosa que pode ser observada nos artigos de opinião de David Dinis e João Miguel Tavares ajudam a perceber que, se calhar, Bruno de Carvalho tem mesmo razão: por muito radical que tenha sido a sua proposta de boicote, fica abaixo dos níveis de radicalismo que são dirigidos contra o Sporting numa base diária.