segunda-feira, 30 de abril de 2018

As novidades do artigo de Bruno de Carvalho no DN: que implicações para o Sporting?

O Diário de Notícias publicou hoje um artigo de Bruno de Carvalho que aborda a atual situação financeira do Sporting. O texto é comprido e envolve alguns conceitos que nem todos perceberão à primeira, mas vale a pena o esforço pela importância do tema. Pode ser lido aqui: LINK.

Vou tentar isolar os pontos mais relevantes do que foi referido pelo presidente e dar a minha opinião sobre as suas implicações para a vida da SAD e do clube.

Em primeiro lugar, há que dizer que este é um bom exemplo do que é boa comunicação. Considerando a complexidade dos temas e a extensão das explicações dadas, o meio escolhido é o mais apropriado - não só pelo alcance, mas também porque é a forma mais fácil de passar a mensagem de forma clara e de evitar mal-entendidos.

Passemos agora aos principais pontos do artigo.


A recompra das VMOCs e a manutenção da maioria da SAD

A grande novidade tem a ver com alteração das condições de recompra das VMOCs. A situação anterior era a seguinte:
  • Existem 135 milhões de VMOCs emitidas em dois momentos diferentes no tempo (55 milhões de VMOCs A e 80 milhões de VMOCs B);
  • Estava prevista a entrada de um novo investidor com a entrada de 18 milhões no capital social da SAD;
  • Estava prevista a emissão de mais 55 milhões de VMOCs (C) que, na prática, iriam servir para o Sporting recomprar 55 milhões de VMOCs A, convertendo-as em ações do clube - o que iria diluir a participação de outros investidores na SAD; ou seja, o capital social iria aumentar em 55 milhões, com o Sporting a ficar com mais 55 milhões de ações; o total de VMOCs ficaria igual, ou seja, no valor de 135 milhões (80 milhões de VMOCs B e 55 milhões de VMOCs C);
  • Dos 135 milhões das VMOCs B e C, o Sporting tinha opção de recompra de 44 milhões;
  • Com a recompra dos 55 milhões das VMOCs A e destes 44 milhões, com a respetiva conversão em ações, o Sporting ficaria com a maioria do capital da SAD.

Em novembro de 2016, a SAD divulgou um quadro a explicar estes números:


O que estava previsto para 2026, com a conversão de todas as VMOCs em ações, era o cenário da coluna à direita deste quadro.

Havia uma outra particularidade: a recompra dos 44 milhões de VMOCs não seria feito pelo valor nominal (1€ por unidade), mas sim pelo valor de mercado das ações acrescido de 20% (tendo como teto máximo 1€ por unidade). Como o valor atual das ações é de 0,70€, se o Sporting optasse por comprar hoje as VMOCs, teria de pagar 0,70€ + 20%, ou seja, 0,84€ por unidade, o que daria um custo total de 37 milhões de euros. Mas, obviamente, seria um valor sempre sujeito a diminuir ou aumentar em função do que o mercado fosse ditando, até ao limite máximo de 44 milhões de euros. O Sporting nunca pagaria mais do que isso.

Agora, a novidade.

Bruno de Carvalho refere duas alterações importantíssimas no âmbito de um novo acordo de reestruturação com a banca (que detêm as VMOCs): a primeira é que o valor a pagar por cada unidade de VMOC passa a ser apenas de 0,30€. A segunda é que deixa de haver o limite de recompra de 44 milhões de VMOCs. Ou seja, o Sporting poderá recomprar os 135 milhões de VMOCs por 40,5 milhões de euros.

Ficou também acordado que fica dispensada a emissão das VMOCs C (que serviriam para recuperar as VMOCs A) e a entrada do novo investidor.

Não havendo a recompra das VMOCs A por contrapartida da emissão das VMOCs C (que aumentaria o peso da participação do Sporting na SAD), a recompra de 44 milhões de VMOCs deixará de ser suficiente para garantir a maioria. Estive a fazer contas por alto e, como poderão ver pelo quadro abaixo que fiz, o Sporting terá de recomprar 58,3 milhões de VMOC para garantir a maioria do capital da SAD - o que ao preço unitário de 0,3€ por VMOC totaliza os 17,5 milhões de euros que Bruno de Carvalho refere no seu texto.


Como é óbvio, são excelentes notícias para o clube, que fica com a possibilidade de ficar com 88% das ações da SAD com um investimento de apenas 40,5 milhões de euros. Qual é a importância disto para o futuro do clube? Bem, para além das questões simbólicas e práticas que a posse da esmagadora maioria da SAD implica, abre também a possibilidade para haver uma margem muito superior para a entrada de novos investidores: o Sporting poderá passar a ter espaço para um investidor com 150 milhões de euros para injetar na SAD sem que a manutenção da maioria de capital fique em risco.


As contrapartidas e os empréstimos obrigacionistas

Bruno de Carvalho refere que os bancos não exigiram nem taxas de juro mais elevadas nem que o Sporting entregasse garantias adicionais pela melhoria das condições da recompra das VMOCs. Quais foram então as contrapartidas dadas pelo Sporting, considerando que não existem almoços grátis? Pelo que me parece, será uma aceleração do reembolso dos empréstimos bancários através da emissão de empréstimos obrigacionistas de valor superior. Um pouco aquilo que o Benfica fez recentemente - pagando aos bancos com dinheiro obtido via factoring -, mas, no caso do Sporting, num ritmo bem mais suave.

Esta conclusão é corroborada por um dos parágrafos do texto de Bruno de Carvalho:
1. A emissão de 15 milhões está alinhada com o acordo com os actuais bancos (NB/BCP) de permitir aumentos de dívida desde que no global a mesma não aumente; a 31 de dezembro de 2017 a dívida bancária reduziu-se 16 milhões já em antecipação a esta possibilidade;

O Sporting aumentará os empréstimos obrigacionistas comprometendo-se a não aumentar a dívida global. Ou seja, pagará aos bancos com a emissão de novas obrigações.

É um cenário que não me incomoda muito (tenho vindo sempre a dizer que o que interessa é a dívida total, sendo secundário se falamos de empréstimos bancários, empréstimos obrigacionistas ou factoring - apesar de o problema da bola de neve ser mais difícil de gerir no caso dos empréstimos obrigacionistas), mas convém ter-se a noção de que as taxas de juro médias vão aumentar - o texto refere que será proposta uma taxa de juro de 6% para as novas obrigações. Também fico com a ideia de que já está definido que os próprios bancos subscreverão uma grande fatia das emissões que serão emitidas. Ou seja, os bancos beneficiarão de taxas de juro superiores às que estão definidas nos empréstimos bancários atuais.

Ainda assim, entre o problema do aumento das taxas de juro e a excelente notícia da melhoria das condições de recompra das VMOCs, não há dúvidas de que este novo acordo com a banca é, globalmente, muito positivo para o Sporting.