quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A nova cartilha

                                                                                                                                 
Foi com alguma surpresa que ouvi, no programa Grandes Adeptos da Antena 1 - que na minha opinião é o melhor espaço do género no audiovisual português -, a forma como Telmo Correia, o representante benfiquista, abordou a semana do seu clube após os embates com o Bayer Leverkusen e o Arouca:


Toda esta história começou quando Jorge Jesus disse, na antevisão do jogo com o Estoril (portanto, ainda antes da derrota na Alemanha), que qualquer rotatividade que possa fazer na equipa terá sempre o campeonato como prioridade. A partir daí, a narrativa foi-se desenvolvendo a ponto se considerar que a Champions é uma competição secundária para o Benfica, e que o que realmente interessa é o campeonato.

Aparentemente, esta opinião é bem aceite por alguns dos representantes do Benfica neste tipo de programas. Não só Telmo Correia pareceu abraçar sem problemas a secundarização da competição de clubes mais importante do mundo, mas também António Simões fez o mesmo no programa Play-off. E até adivinho que outros, como Pedro Guerra, já andem de megafone em punho a pregar os malefícios de uma aposta a 100% na Liga dos Campeões - escrevo "adivinho" porque não tenho paciência para ouvir esta personagem em concreto.

É uma atitude estranhamente conformista difícil de entender, já que ainda há quatro jogos para disputar num grupo onde qualquer equipa pode perder pontos em qualquer partida. Ainda para mais, a questão da rotatividade não encontra qualquer correspondência na realidade: Jesus não poupou nenhum dos principais jogadores contra o Zenit e Leverkusen.

Honestamente, não acredito que haja um benfiquista que se preze que se reveja neste discurso massificado que não honra o passado do clube. Participar na Champions, ter a possibilidade de desafiar os grandes emblemas europeus, perceber qual é realmente o valor da equipa nos confrontos além-fronteiras, é uma questão de orgulho que qualquer adepto que vibre com o seu clube nunca está disposto a abdicar. 

Eu, enquanto adepto sportinguista que está a desfrutar do regresso à Liga dos Campeões após uma ausência demasiado longa, não exijo ao meu clube que passe à fase seguinte, mas exijo que o meu treinador e os meus jogadores esgotem todas as possibilidades para alcançarem os melhores resultados possíveis - tal como no campeonato. Há formas de conciliar as duas competições.

Não me parece normal que o Benfica, clube que no ano passado assumiu que queria chegar à final da Liga dos Campeões, e cujos dirigentes e adeptos andaram a cantar loas ao facto de estarem colocados no pote 1 do sorteio, apareça agora a secundarizar a sua participação nesta competição.

Sim, é verdade que saíram muitos jogadores influentes, mas ficou ainda muita gente com valor ambicionada por meia Europa e, para além disso, não podemos dizer que o Benfica tenha sido propriamente poupado no reforço da equipa:

Fonte: www.futebol365.pt

Um clube que gasta €38,5M em jogadores num único defeso não pode dizer que não tem condições para apostar as fichas todas em 6 jogos da Champions que se desenrolam entre setembro e dezembro. Não há forma de justificar um investimento desta grandeza em jogadores para consumo interno apenas.

Na verdade, tudo isto aponta para o início de um processo antecipado de desculpabilização de quem adivinha que o clube será, pela 4ª vez nas últimas 5 participações, eliminado na fase de grupos. Uma equipa que tem tanta experiência europeia e internacional acumulada, que apesar de ter calhado num grupo complicado mas que não tem nenhum tubarão europeu, e que para todos os efeitos gastou muito dinheiro no reforço do plantel, deveria demonstrar um pouco mais de ambição - nomeadamente Jorge Jesus, que foi o mentor de todo este discurso.

Não me parece saudável que seja um treinador a definir quais são ou não as competições prioritárias para o clube. Não só porque se trata de uma decisão estratégica que deveria competir à estrutura da SAD, mas também porque o próprio treinador acaba por criar uma cortina de fumo muito conveniente que encobre a sua própria incapacidade de armar equipas que consigam jogar de olhos nos olhos com adversários da elite europeia. Para quem se acha o melhor do mundo, não se pode dizer que esteja a sair-se muito bem.