quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O fim de ciclo e a soma das partes

É cada vez mais frequente ler e ouvir a expressão "fim de ciclo" associada ao Porto e à sua direção, nomeadamente a Pinto da Costa.

É evidente que ninguém pode adivinhar o futuro, pelo que benfiquistas e sportinguistas desejarão que, de facto, estejamos a assistir ao declínio do Porto enquanto clube hegemónico durante as últimas três décadas, enquanto que os portistas poderão argumentar que é uma conversa já batida que surge sempre que os resultados desportivos do Porto estão abaixo do esperado.

Sendo sportinguista, obviamente que desejo se trate mesmo do fim de ciclo de Pinto da Costa, não só porque o presidente do Porto confunde-se com o sucesso do clube, mas principalmente por considerá-lo um cancro para a verdade desportiva. Para mim, o lugar de Pinto da Costa é atrás das grades, e não no camarote presidencial de um clube grande, e só é possível num país como o nosso em que a justiça é uma bandalheira.

Voltando à questão do fim de ciclo, mais que wishful thinking, na minha opinião existem vários indicadores que me levam a acreditar que esta crise do Porto é real e bem mais grave do que querem fazer passar.


A idade de Pinto da Costa

O episódio do internamento de Pinto da Costa, que supostamente era de rotina, no final do ano passado, que depois acabou por prolongar-se durante bastante mais tempo que o previsto, é um sinal que o estado de saúde do presidente do Porto não é o melhor, o que não é de estranhar atendendo à sua idade. 

O facto de Pinto da Costa ter revelado que escreveu 4 cartas na eventualidade de a operação a que se submeteu em 2012 não correr bem, mostra que o próprio está consciente que não durará para sempre. Para além disso, pessoas com 76 anos já não estão no auge das suas capacidades físicas ou mentais, por muito extraordinárias que possam ter sido anos antes. É a lei da vida.


A sucessão: movimentações dos presidenciáveis e o vazio que se seguirá

Um regime presidencialista como o de Pinto da Costa depende muito, como é evidente, das qualidades do seu líder. O presidente do Porto é um homem extremamente inteligente e carismático, e saberá certamente rodear-se de pessoas competentes. Mas uma coisa é ser-se competente debaixo da asa de um líder incontestado, e outra é ser-se líder. É impossível que exista na estrutura alguém com as mesmas capacidades de Pinto da Costa, pois incompatibilizar-se-iam ao fim de pouco tempo. E o sucessor terá sempre uma herança muito pesada para suportar, pois ao mínimo insucesso serão inevitáveis as comparações com Pinto da Costa.

Não quer dizer que não existam muitos interessados para o lugar. António Oliveira há meses que fala como uma espécie de presidente-sombra, Antero Henrique promoveu uma reunião entre os Super Dragões e os capitães da equipa na própria noite da derrota com a Académica que cheira a operação de charme, e Alexandre Pinto da Costa aparece cada vez mais ao lado do pai e a ser a figura principal em alguns dos negócios do clube, como na contratação de Quaresma. E haverão certamente outros que estão na sombra que esperarão pela marcação de eleições para colocar a cabeça de fora. 


Falta de mão no balneário

Não é normal haver tantos sinais de descontentamento no balneário do Porto. E vermos tantos casos na gestão do plantel também são estranhos. Ontem, Kelvin e Fabiano declararam publicamente o seu descontentamento por jogarem pouco. Iturbe veio de imediato a dar apoio público a Kelvin. 

Jackson faz declarações recorrentes sobre a sua vontade em ir para campeonatos mais competitivos. Fernando recusou renovar durante muito tempo, apesar de o seu empresário ser um homem de confiança de Pinto da Costa, e só assinou num período em que já era livre para se comprometer com qualquer outro clube a troco de um prémio de assinatura exorbitante, o que leva a perguntar em que condições terá concordado em assinar por mais uns anos com o Porto -- o salário deve ser milionário, deve ter ficado com uma percentagem substancial do passe, e devem ter ficado acertadas condições de desvinculação que facilitem a sua saída. 

Ainda há Defour, que via redes sociais ou via empresário, vai lembrando que quer jogar para ir ao mundial, e os bem conhecidos casos de Izmailov e Fucile. 

Há uns anos seria impossível que tantos casos em simultâneo acontecessem.


O processo de escolha do treinador

Paulo Fonseca não é a primeira aposta falhada de Pinto da Costa, mas o processo que levou à sua contratação foi inédito. Tanto quanto me pareceu, o Porto esperou que o Benfica definisse o dossier Jorge Jesus para decidir o que fazer. Se Jesus não renovasse, provavelmente iria parar ao Dragão. Se renovasse, o potencial interesse do Porto iria obrigar o Benfica a abrir os cordões à bolsa -- como acabou por se verificar.

Vieira demorou tempo a decidir, e quem ficou também pendurado à espera da resolução do caso foi o treinador bicampeão nacional, que perdeu apenas um jogo em duas épocas. Vítor Pereira, como é evidente, estaria interessado em continuar, mas ao ver que não era definitivamente a primeira opção de Pinto da Costa, cansou-se de esperar e bateu com a porta.

Pinto da Costa pareceu sempre mais interessado em dar uma valente alfinetada no rival do que em arrumar a sua casa o mais rapidamente possível de forma a poder preparar a época atempadamente.


Política viciada de contratações

À imagem do que se passou com o treinador, a política do Porto nas contratações também não parece estar focada exclusivamente em aspetos desportivos. Se puder dar uma alfinetada nos rivais, tanto melhor. 

Ghilas foi contratado porque o Porto precisava de um substituto para Jackson, mas o motivo principal da sua aquisição foi impedir que o argelino fosse parar ao Sporting -- caso contrário o Porto nunca daria quase €4M por metade do passe.

Já no ano passado, no mercado de inverno, foram contratar Izmailov e Liedson, que pouco ou nada acrescentaram à equipa, mas que causaram um impacto psicológico profundo na auto-estima dos portistas e na depressão dos sportinguistas. Foi por um acaso de sorte que o Porto não sofreu as consequências destas más apostas.

Para além disso, o Porto parece andar a ganhar vícios de novo-rico ao contratar jogadores por valores muito avultados. Depois de Danilo e Alex Sandro, o Porto gastou milhões com Reyes e Herrera, desvirtuando o modelo de negócio em que apostaram com tanto sucesso, comprando relativamente barato para vender caro. Gastando tantos milhões em tão poucos jogadores, acabam por sobrar posições com poucas ou nenhumas alternativas aos titulares, como é o caso dos laterais. Danilo e Alex Sandro, que são dois dos principais desequilibradores do plantel, não têm descanso, e a equipa já está a sofrer as consequências desse desgaste.


Outros casos de navegação à vista

A estranha venda de Otamendi, a saída do titular indiscutível Lucho para as arábias, o regresso de Abdoulaye que encostou de imediato Maicon para o banco de suplentes e o vai-não-vai de Mangala e Fernando para o Manchester City, são outros casos estranhos que indicam que não tem havido planeamento desportivo competente.

A saída de Angelino Ferreira, por divergências com o resto da administração, e a entrada do ex-presidente da Câmara do Porto Fernando Gomes, é outro sinal de que nem tudo vai bem. Não vejo nenhum portista que se sinta tranquilo em relação a esta troca na administração.


A novela à porta do estádio

Tentando colocar-me na cabeça de Pinto da Costa, o único motivo que vejo para que o presidente do Porto se tenha dirigido para a porta do estádio para dizer por onde os jogadores deveriam sair, é dar um sinal público de que é ele que ainda manda no clube.

Podia ter telefonado ao responsável da PSP do seu gabinete. Podia ter mandado um dirigente intermédio para impedir os jogadores de saírem conforme a PSP estava a indicar.

Mas não, preferiu descer, acompanhado de uma série de administradores e dirigentes de topo, bem à vista das câmaras da televisão. Manteve-se durante largos minutos a falar ao telemóvel a uma distância curta dos jornalistas, a repreender sabe-se lá quem. Depois fez uma conferência de imprensa improvisada para falar indignadamente sobre o facto de a PSP querer alterar sentidos de tráfego de trânsito, para depois explodir perante uma pergunta natural do único jornalista que teve coragem para perguntar aquilo que todos queriam saber.

Toda esta novela não foi para desviar as atenções dos resultados da equipa de futebol. A mim parece-me que Pinto da Costa quis apenas e só para dar um sinal público de que é ele que ainda manda no clube, o que implica que existe uma luta de poder no clube.


A soma das partes

Todos estes casos que referi podem não ter muito peso individualmente, mas convenhamos que são já demasiadas situações a acontecer em simultâneo. Creio que é legítimo questionar se neste caso o todo não será já maior que a soma das partes.

Aguardemos pelos próximos capítulos.