sábado, 11 de julho de 2015

Sobre a página do diretor de comunicação do Sporting no Record

Foi com alguma surpresa que vi que o Record reservou uma página da edição de ontem para Mário Carneiro, diretor de comunicação do Sporting - à semelhança, diga-se, do que já tinha acontecido uma semana antes com João Gabriel, diretor de comunicação benfiquista. Para quem não leu, aqui fica:


Estaria a mentir se dissesse que gostei de ler. Sinceramente, não gostei. Por vários motivos.

Em primeiro lugar, o facto de ser um diretor de comunicação a escrever é logo à partida um mau sinal. Para mim, o diretor de comunicação não deve ser um ator, deve ser o homem dos bastidores que ajuda a escrever o guião e indica quando e como os verdadeiros atores devem dizer as suas deixas. O facto de João Gabriel falar publicamente de forma frequente não significa que seja essa o modelo a seguir.

Depois, por causa de parte do conteúdo do que Mário Carneiro escreveu. Deixo 3 exemplos.

 - A forma como misturou o apoio vibrante dos sportinguistas em ocasiões como a conquista da Taça CERS, a participação da Missão Pavilhão e na última AG, ou os festejos da Taça de Portugal com a conclusão do mais-bem sucedido empréstimo obrigacionista da história do Sporting. A ver se nos entendemos: é claro que é positivo que o empréstimo obrigacionista se tenha concretizado com sucesso, mas:

a) O facto de a procura ter ultrapassado largamente o objetivo deveu-se sobretudo à elevada taxa de juro que foi oferecida - mais baixa que o do empréstimo anterior, é certo, mas ainda assim bem mais alta que as taxas oferecidas por Porto e Benfica -, o que não é algo de que nos devamos orgulhar por aí além;

b) O sucesso da subscrição deveu-se em fraca medida à adesão dos sportinguistas, mas principalmente a quem tem muito dinheiro disponível e quis rentabilizá-lo. Aliás, basta consultar os resultados da subscrição para perceber que dos 4.241 investidores, a esmagadora maioria das obrigações ficou nas mãos de um conjunto bastante pequeno de subscritores - que serão maioritariamente empresas ou particulares endinheirados que apostam com frequência neste tipo de produtos financeiros. 

c) Compreendo que o empréstimo obrigacionista era algo previsto na reestruturação financeira acordada com a banca, mas para mim não deixa de ser um foco de (grande) preocupação: contraímos um empréstimo de 30M para pagar um de 20M mais juros, e infelizmente parece-me quase inevitável que daqui a 3 anos estaremos a pedir um de 40M para pagar este.

Resumindo: não discuto a necessidade de contrair este empréstimo e muito menos responsabilizo a atual direção pelos motivos que nos levam a fazê-lo, mas recuso-me a celebrá-lo e usá-lo como uma prova da vitalidade do sportinguismo.


Também não apreciei absolutamente nada partes do texto como estas:
"As réplicas do sonho de Bruno de Carvalho são cada vez mais visíveis, óbvias e incontornáveis"
ou
"Este é o Clube que, fruto da visão do seu Presidente, apresenta um lucro de 22 milhões de euros".

Sou um admirador confesso da coragem da gestão de Bruno de Carvalho e da forma como diariamente defende os interesses do Sporting, mas isto não passa de um endeusamento completamente desnecessário. Fossem João Gabriel, Fernando Guerra ou João Querido Manha a usar as mesmas palavras referindo-se a Luís Filipe Vieira, e estaríamos todos a acusá-los de terem escrito uma peça de propaganda. Lamento, mas isto não é diferente. Que se fale das ideias concretas do presidente, do alcance da sua visão, mas não do presidente em si - e muito menos nestes termos. Os méritos do presidente serão prontamente reconhecidos pelos sportinguistas em função da qualidade das suas ideias e do sucesso da sua implementação.

E, já agora, seria prudente que não se falasse num lucro de 22 milhões de euros enquanto não soubermos qual será a decisão do TAS em relação ao caso Rojo. Isto estende-se a Bruno de Carvalho, que já o fez por diversas vezes.


- "Por aqui passa o indesmentível impacto internacional do Sporting Clube de Portugal, o mesmo impacto que levou a Direção a apostar em novas funções para o último técnico português campeão nacional pelo Clube, entregando a Augusto Inácio as Relações Internacionais (...)".

Aqui Mário Carneiro está a tentar nitidamente impingir-nos uma ideia que não corresponde à realidade. Quem leia isto até deve estar a pensar que se tratou de uma promoção, mas na realidade todos sabemos que Inácio foi afastado como consequência direta da chegada de Jorge Jesus. O novo cargo é uma forma simpática de agradecer os serviços prestados, mas não passa disso. 

O afastamento de Inácio é uma decisão complicada e deve ser assumida como tal. Tendo a oportunidade de contar com Jesus como treinador, Bruno de Carvalho não hesitou em mudar radicalmente a estrutura do clube. Compreendo a decisão e aplaudo-a. Creio que a maioria dos sportinguistas pensa da mesma forma que eu, até porque sempre houve muitas dúvidas em relação ao real papel de Inácio dentro da estrutura. Mas façam o favor de não nos passarem um atestado de estupidez fazendo de conta que Inácio não era até há umas semanas atrás o homem forte do futebol, e fingindo que se tratou de uma medida pensada e enquadrada numa estratégia que já vinha de trás. 



Voltando ao princípio, vejo com agrado as evoluções que se registaram nos últimos meses ao nível da comunicação, e em particular no relacionamento com a comunicação social. Passámos também a utilizá-la em nosso proveito, coisa que já não via acontecer há muito tempo. Mas espero que, sendo este espaço de opinião para continuar, Mário Carneiro abandone o caminho do elogio fácil à figura do presidente e se concentre mais nas ideias que o clube defende e nas mensagens que devem ser passadas aos sportinguistas. E sempre de uma forma honesta e equilibrada. Nem tudo o que acontece no Sporting é bom, e nem tem que ser. 

O que queremos é a realidade, e já demonstrámos ter estofo para lidarmos com ela, por muito dura que seja. Não copiemos os maus exemplos dos outros.