sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O mau exemplo do jornalismo espanhol

Os ecos da vitória de Portugal sobre a Suécia correram mundo, e a exibição de Cristiano Ronaldo deverá ter sido tema de conversa nos cinco continentes.

Deu para ver imagens com comentários em búlgaro, em árabe, em espanhol, em português do Brasil, em inglês e muitos outros idiomas. Não houve jornal desportivo de referência que não guardasse os mais rasgados elogios a Ronaldo. Ressurgiram as críticas a Blatter. Uma multinacional foi criticada por anúncios publicitários que feriram algumas suscetibilidades.

É o folclore normal neste tipo de situações. No entanto, devo dizer que houve uma coisa que me incomodou a sério:



Este senhor é jornalista do As. É o editor chefe da secção de notícias do Real Madrid e, como é evidente pelo cachecol que enverga no vídeo, é um adepto fanático dessa equipa. É sabido que os jornais espanhóis como a Marca, o As ou o Mundo Deportivo, apoiam declaradamente uma equipa, pelo que este tipo de reação acaba por nem ser muito surpreendente.

O jornalismo desportivo em Portugal, e em particular os jornais, também não são um baluarte da isenção. A Bola sempre foi conotada ao Benfica, O Jogo ao Porto, e o Record, que no passado navegava por águas menos declaradas, teve uma correção de rumo desde que Manha passou a estar ao leme e encostou-se a Vieira e ao Benfica.

A popularidade do futebol espanhol é enorme em todo o mundo. Desde que os clubes espanhóis passaram a ter os nossos principais jogadores e treinadores, como Figo, Ronaldo ou Mourinho, que o campeonato do país vizinho passou a ser seguido com uma atenção quase reverencial por parte da nossa comunicação social.

Termos como "remontada" ou "tripleta" passaram a fazer parte do vocabulário futebolístico em Portugal. As discussões sobre Real e Barcelona, sobre Mourinho e Guardiola, sobre Ronaldo e Messi, apresentam um nível de paixão que quase rivaliza com as conversas à volta de Porto, Benfica e Sporting. Mudam-se horários de jogo da liga portuguesa para não colidir com os grandes jogos da liga espanhola.

Na época passada, cheguei a ouvir comentadores a defender que o papel do Sporting no futebol português é desnecessário, pois o campeonato espanhol provou que é possível ter um campeonato de topo apenas com duas equipas a lutar pelo título.
No mundo do futebol, a única coisa em que Espanha não está melhor que Portugal é precisamente no jornalismo desportivo. Os nossos jornais são péssimos, mas ainda não chegaram ao ponto de declararem o apoio explícito a uma equipa. Não que no fundo não o façam diariamente de forma evidente nas capas, nos comentários ou nas notícias que divulgam.

Mas tenho medo que, olhando para o exemplo espanhol, os nossos jornais sucumbam à tentação de declararem o apoio oficial a um clube. Não porque uma tomada de posição dessas fosse mudar para pior o que temos hoje, mas porque se isso acontecer será a travessia do Rubicão, a passagem pelo ponto de não retorno. Até lá, vou mantendo a esperança que os proprietários dos jornais ponham a mão na consciência e acabem por trocar os Serpas, os Manhas e os Ribeiros por diretores isentos que deixem os jornalistas serem jornalistas.