segunda-feira, 3 de junho de 2024

Another Varandas, Zenha & Viana appreciation post

Credit where credit is due. Se, em maio de 2021, enquanto celebrávamos de máscara o fim de um jejum de 19 anos, havia a consciência de que, a par de muito mérito no trabalho desenvolvido, também tinha havido uma conjugação de fatores irrepetíveis (Covid, estádios vazios, eliminação precoce das competições europeias) que desempenhou um papel naquilo que, meses antes, parecia impossível, agora, em maio de 2024, vemos que fomos campeões devido, integralmente, à competência de quem está no clube. Houve 0% de sorte na conquista deste título. O Sporting sagrou-se campeão porque teve, de longe, os dirigentes, técnicos e jogadores mais competentes desde o momento em que a época começou a ser preparada até à última jornada do campeonato.

Entre os resultados alcançados, estado dos rivais e as perspetivas futuras, estamos a viver um período realmente atípico. Seguramente um dos melhores, se não mesmo o melhor, de que me lembro. Por um lado, isso só é possível porque, de facto, têm sido muito mais as más fases do que as boas. Mas, por outro, também nos permite perceber que nunca nada está garantido e de que o processo, para ter sucesso continuado, tem de apontar para uma melhoria constante, nunca facilitando. 

Os sócios e adeptos também têm um papel a desempenhar nesse processo. Começando por saber identificar o que tem sido bem ou mal feito e reconhecer ou apontar os méritos e deméritos dos responsáveis, independentemente de se simpatizar mais ou menos com as pessoas em causa. Aqui fica o meu pequeníssimo contributo nesse sentido.


Política de transferências bem afinada

O futebol português teve dois períodos hegemónicos do século XXI: entre 2002/03 e 2012/13, o Porto limpou 9 campeonatos em 11; seguido do período entre 2013/14 e 2018/19 do Benfica, que venceu 5 campeonatos em 6. Ambas as hegemonias tiveram dois pilares que as sustentaram. O primeiro pilar foi o jogo de influências nos bastidores, dos apitos dourados, dos conselhos matrimoniais a árbitros, dos Gonçalves e Boaventuras da vida, dos amigos colocados nos centros de decisão de futebol nacional e das famosas ajudas desinteressadas a vários clubes que competiam no escalão máximo do futebol português. Mas havia também um segundo pilar, legítimo - ainda que muito impulsionado pelas facilidades concedidas pelo primeiro -, que era a capacidade de contratar, desenvolver, valorizar e vender jogadores, proporcionando rendimento desportivo e um elevadíssimo retorno financeiro que, por sua vez, criava condições para novas contratações de jogadores de grande potencial. Um círculo virtuoso, difícil de iniciar, por exigir a conjugação de sucesso desportivo, capacidade negocial e de habilidade na identificação de atletas que se insiram na estratégia do clube.

O Sporting não está em posição para alcançar uma posição de hegemonia - não só por não entrar nos mesmos jogos de bastidores, como também por ter um adversário com capacidade para gastar muito mais em contratações e salários -, mas está em condições de impedir que outra se instale, interferindo nas lutas pelo título e podendo sagrar-se campeão com uma frequência bastante superior ao que tem sido norma nas últimas largas décadas. E isto porque parece ter conseguido entrar no seu círculo virtuoso, que, bem mantido, assegurará condições para ser sempre competitivo, independentemente de quem saia no final de uma determinada época.

Varandas, Zenha, Viana e Amorim parecem ter encontrado a fórmula para o sucesso. Diria que a última lição terá acontecido em agosto de 2022, quando Matheus Nunes foi vendido em desespero a poucos dias do fecho do mercado e foram contratados vários jogadores low cost que pouco ou nada contribuíram desportivamente. O panorama, hoje, é bem diferente. Ao contratar, apontam para alvos de potencial elevado mas já com uma rodagem considerável em contextos competitivos relevantes. Compreendem que a chance de correr bem é muito superior quando se gasta mais. Desenvolvem os jogadores, tiram partido desportivo e, ao perceberem que há uma potencial venda no horizonte, começam a trabalhar na substituição. O alvo é identificado, trabalhado e negociado, demore o tempo que demorar. 

Francisco Zenha, na entrevista recente dada à TVI, disse algo muito importante, mais ou menos neste sentido: o Sporting, neste momento, pode escolher quem e quando vende. E isso faz toda a diferença, quer desportivamente, quer no momento das negociações.


Situação financeira equilibrada e estratégia em sintonia com a vertente desportiva

Neste momento, o Sporting poderia facilmente pagar toda a sua dívida bancária, de factoring e obrigacionista (128M a 31/12/2023) se vendesse dois ou três dos seus jogadores mais cotados, como Gyökeres, Inácio, Hjulmand ou Diomande. Não o fará, evidentemente, porque é muito mais importante manter ou aumentar o rendimento desportivo do que abater a dívida toda de uma vez. O fundamental é que a questão da dívida, financeira e a fornecedores, já está controlada e acabará por se resolver se o Sporting se mantiver competitivo dentro de campo.

É muito importante ter prioridades bem definidas e, evitando riscos excessivos, saber onde aplicar o dinheiro disponível. Diria, que dos três grandes, o Sporting é o clube que tem o rumo mais bem traçado. 

O Porto vai passar por alguns anos complicados. A situação financeira é dramática. Exigirá a venda de alguns dos seus jogadores mais cotados e cortes profundos nos gastos. Com uma capacidade de investimento reduzida e sem Liga dos Campeões, será mais difícil atrair treinadores cotados e jogadores de um patamar elevado para os padrões da nossa liga. Não quer dizer que não possam ser competitivos - o Sporting já demonstrou no passado que é possível competir com menos meios -, mas exigirá um nível de acerto elevadíssimo nas opções tomadas.

O Benfica é, dos três, o que tem maior capacidade de investimento, mas a estratégia desportiva parece mais errática. Nos últimos anos, tem dado a ideia de que contratam mais pelo efeito mediático (wonderkids e jogadores com nome) do que pelas necessidades do plantel, como Kokçu (MVP da Eredivisie, mas que não encaixou na estratégia do treinador), Prestianni, Rollheiser, Schjelderup (com futuro mas que no imediato praticamente não contaram) ou Gonçalo Guedes, Bernat, Draxler (lesionados crónicos com nome mas com rendimento nulo). Todos os clubes falham ao contratar, mas o Benfica tem desperdiçado muito mais, o que tem permitido aos rivais nivelar os pratos da balança.

O Sporting também falha, obviamente. Fresneda ficou aquém das expetativas, e os reforços de inverno, Pontelo e Koba, nada acrescentaram. Mas as duas grandes prioridades estabelecidas para 23/24 (o ponta-de-lança e o médio defensivo), que consumiram 80% do orçamento disponível para as transferências, foram de um acerto total e deram o impulso competitivo de que o clube necessitava. Para o resto, Amorim cozinhou a solução.

Os primeiros sinais do mercado deste verão são animadores. A grande necessidade do plantel (guarda-redes) parece fechada e já se cobriu a provável saída de um central. Pelas notícias, haverá interesse em contratar pelo menos mais um ponta-de-lança e um ala esquerdo. Se houver uma taxa de acerto idêntica à do verão passado, teremos um novo salto na competitividade da equipa.

Não sabemos ainda como decorrerá o reforço do plantel neste defeso, mas pelo menos parece ser bem pensado.


Modalidades competitivas

Somos competitivos na maior parte das modalidades e os troféus continuam a entrar no museu a um bom ritmo. Seis anos depois, voltámos a ser campeões no andebol, com uma equipa entusiasmante que fez também uma excelente carreira europeia. Conquistámos o quarto título de campeão europeu no hóquei em patins. No futsal, as dificuldades têm sido maiores, mas continuamos a estar em todas as decisões. O voleibol teve a melhor época em vários anos, conquistando uma Taça de Portugal e foi mais competitivo no campeonato. O basquetebol teve a pior época desde que voltámos a ter uma equipa no escalão sénior masculino.

É normal haver altos e baixos nas várias equipas. Épocas como a de 17/18, em que fomos campeões em todas as modalidades em que competimos, são extremamente raras para qualquer clube e não devem ser o padrão de exigência. O fundamental é que as nossas equipas tenham capacidade para discutir títulos, tendo sempre consciência de que não competimos sozinhos e de que há adversários competentes que investem tanto ou mais do que nós.

O gabinete olímpico tem tido algumas decisões discutíveis, mas é preciso termos consciência de que os recursos são limitados e, para se colocar dinheiro numa determinada secção, é preciso retirar de outra. São decisões complexas que afetam a vida de atletas e funcionários. O melhor que podemos esperar é que sejam tomadas com a maior justiça possível e com o superior interesse do clube em mente.


Infraestruturas em modernização

Gradualmente, a modernização do estádio começa a ser uma realidade. A substituição das cadeiras foi transformativa, o controlo das entradas melhorado, estão a decorrer obras de renovação em diversas áreas, interiores e exteriores, os tenebrosos ecrãs do estádio estão finalmente a ser substituídos e há planos para tapar o fosso. Quando tudo isto for uma realidade, o estádio ficará irreconhecível em relação ao passado... para muito, muito melhor. Mais moderno e, sobretudo, muito mais em linha com a identidade do Sporting. 

Haverá, seguramente, outras melhorias que seriam muito bem-vindas (sistema de revenda e empréstimo de gameboxes que permita ter um estádio sem clareiras, o sistema de som do estádio, a qualidade da oferta dos bares, nivelamento do piso em determinadas áreas do estádio que ficam inevitavelmente alagadas quando chove), mas o trabalho que tem sido feito nos últimos anos merece ser elogiado. Há finalmente vontade de investir a sério na segunda casa dos sportinguistas.


Investimento no espetáculo fora de campo

A reta final da época trouxe novas iniciativas que valorizam o espetáculo fora das quatro linhas. As coreografias, a pirotecnia montada no relvado e na cobertura, a festa do Marquês e a cerimónia final da celebração do título em Alvalade foram iniciativas muito bem montadas e organizadas, que tornaram toda a experiência ainda mais especial.

Mas a vertente do espetáculo proporcionado pelas claques também é muito importante para o ambiente. A utilização de tarjas, adereços, e equipamentos como megafones e os bombos não deviam estar limitados às aberrantes zonas especiais para adeptos. A "trégua" no último jogo do campeonato mostrou como o espetáculo sai valorizado se as claques tiverem condições para dar o seu melhor contributo, e seria bom que isso voltasse a ser uma realidade permanente.


O futuro é verde

Haverá sempre questões a rever e arestas a limar, mas o balanço do trabalho realizado é, obviamente, muito positivo. Depois de dois anos iniciais muito turbulentos, a direção de Varandas aproveitou o efeito Amorim para se encontrar, equilibrar e estabelecer uma estratégia desportiva e financeira coerente e quase sempre bem executada.

Diria que o teste final acontecerá no dia em que Rúben Amorim for chamado para outro campeonato. Mas, aconteça isso quando acontecer (e que esse dia esteja ainda distante), creio que a estrutura já é suficientemente sólida para identificar alternativas e apresentar um projeto capaz de atrair outros treinadores com capacidade para manter o clube na rota do sucesso. 

Olho para o clube e vejo estabilidade, competência e um rumo bem definido, que me deixam otimista e confiante para os desafios que se seguirão. Foram mortos uma série de fantasmas e mitos, as décadas de autofagia parecem ter ficado para trás, e acontecer Sporting tem agora outro significado. Mostraram que é possível competir e ganhar sem abdicar dos valores que nos separam dos demais. 

O futuro é verde.