terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A infalibilidade do tribunal

Acho graça quando jornalistas, comentadores e paineleiros recorrem às decisões do Tribunal O Jogo para suportar a sua argumentação. Por exemplo, no programa Prolongamento, Fernando Seara vai sempre munido destas páginas de jornal para poder atirá-las à cara dos seus opositores nas situações em que lhe convém.

Jorge Coroado, Pedro Henriques e José Leirós são os três juízes que constituem o tribunal em causa. Todos eles antigos árbitros, uns com carreiras mais notáveis que outros.

A ideia do jornal O Jogo é boa: pedir a opinião sobre decisões polémicas de arbitragem a três antigos árbitros, conhecedores das leis, que certamente se vão mantendo informados das novas diretivas do International Board e, acima de tudo, com olho treinado para estas coisas.

Note-se que nem todos os lances são particularmente polémicos ou difíceis de avaliar. Como normalmente analisam 4 ou 5 lances por jogo, em alguns casos é-lhes pedido para avaliar casos de foras-de-jogo, cartões amarelos, livres ou cantos. Noutros, as imagens são de tal forma elucidativas que é impossível não estarem todos de acordo.

Seria portanto de esperar que, em função do nível de conhecimento que possuem, sem a pressão do tempo para tomar uma decisão, e tendo acesso a variadíssimas repetições, os três ex-árbitros estivessem de acordo na maior parte das situações.

Mas olhemos para as sentenças mais recentes deste tribunal:


Dos 106 lances analisados, os três juízes deram uma opinião unânime em menos de metade. E apenas num destes 22 jogos estiveram os três de acordo em todos os lances.

É certo que ao analisar uma decisão polémica, qualquer pessoa faz uma interpretação das leis em função da forma como perceciona do lance. E nem me passa pela cabeça criticar o facto de os três não estarem de acordo, era só o que faltava. É a opinião deles e têm todo o direito em emiti-la de forma independente. Mas existem três conclusões que podemos tirar daqui:

  • O facto de três antigos árbitros, que apitaram centenas de jogos ao longo das suas carreiras, não conseguirem concordar na maior parte das vezes, é um comprovativo de peso em como o critério pessoal do árbitro tem um peso tremendo no julgamento dos lances.
  • Mostra que qualquer adepto que seja capaz de ver um lance sem os óculos da cor do seu clube, que ao longo da sua vida viu centenas de jogos e que conhece as regras principais do jogo, tem uma opinião com o mesmo grau de legitimidade que os juízes do Tribunal O Jogo -- é que em 99% das vezes vai ter uma opinião igual a pelo menos um deles. 
  • Em mais de metade dos lances analisados, há pelo menos um dos juízos que está errado. Há uma probabilidade de erro enorme. Por isso é legítimo admitir que, mesmo nos lances em que estão todos de acordo, há alguma probabilidade de estarem todos enganados. Não sempre, como é evidente, mas de vez em quando pode acontecer.

Acho de qualquer forma que o Tribunal O Jogo é um espaço útil. Não para estabelecer verdades indiscutíveis sobre lances polémicos. Não para terminar discussões. Apenas para contribuir para o debate.