quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A aposta nos treinadores portugueses

Os últimos anos têm consolidado uma tendência de domínio quase total dos treinadores portugueses face a treinadores estrangeiros na liga portuguesa.

O Olhanense, ao trocar Paulo Alves pelo italiano Galderisi, quebrou o registo de 100% de treinadores portugueses que se verificava esta época, após o abandono de Van der Gaag do comando do Belenenses por motivos de saúde.

O que é facto é que mesmo com esta mudança, Portugal é o país que aposta mais em treinadores nativos quando comparado com as mais mediáticas ligas europeias.



Ouvindo muitos dos nossos comentadores, parece que isto se explica pelo facto de os treinadores portugueses serem dos mais competentes que existem a nível mundial. Acho essa teoria bastante discutível.


A qualidade do treinador português

Se a qualidade do treinador português fosse assim tão extraordinária, seria natural assistirmos a casos de sucesso bem mais frequentes nas principais ligas europeias, à semelhança do que tem acontecido com muitos dos nossos jogadores nas últimas duas décadas. 

A carreira internacional de Mourinho é o expoente máximo de sucesso de um treinador, mas é um caso isolado perante o fracasso da generalidade dos seus colegas como Villas-Boas (Chelsea e Tottenham), Jesualdo Ferreira (Málaga e Panathinaikos), Carlos Queiroz (Real Madrid), Jaime Pacheco (Maiorca), José Peseiro (Panathinaikos e Rapid Bucareste) José Couceiro (Lokomotiv Moscovo, Gaziantepspor e Lituânia), António Oliveira (Bétis), Paulo Sousa (QPR e Swansea) ou Carlos Carvalhal (Besiktas e Istanbul BB). 

O sucesso de Fernando Santos é muito relativo, já que enquanto treinador de AEK, PAOK e Panathinaikos, durante 7 épocas, não ganhou mais do que uma Taça da Grécia. Na seleção grega tem conseguido sempre apuramentos para as fases finais, o que tem sido provavelmente o seu maior êxito. Sobra Leonardo Jardim, que teve uma passagem curta mas bem sucedida pelo Olympiakos, onde deixou o clube no 1º lugar com uma vantagem confortável sobre o 2º. Mesmo assim, pode-se argumentar que o Olympiakos é um crónico campeão, pelo que não será um feito por aí além. Manuel José teve bastante êxito, mas no futebol egipcío. E existem muito outros treinadores espalhados pelo mundo, mas falamos de países do 3º mundo futebolístico.

É preciso recuar até 1993/94 para testemunhar outro êxito de um treinador português no estrangeiro, quando Artur Jorge foi campeão no PSG.

Na minha opinião o predomínio dos treinadores portugueses na I Liga não se deve tanto à sua enorme capacidade. Na realidade, penso que o nível médio dos treinadores portugueses não passa do razoável, apesar de ser o suficiente para ficar furos acima da qualidade média dos jogadores que têm ao seu dispor, e ainda mais em relação aos dirigentes dos clubes onde trabalham. 

Não sendo a qualidade um fator assim tão diferenciador, pelo que se pode ver pelo crónico insucesso no estrangeiro, considero que o êxito do treinador português sobre o treinador estrangeiro em Portugal deve-se acima de tudo a dois fatores: as condições financeiras que os clubes nacionais podem oferecer e dificuldades de adaptação ao futebol português.


1ª fator: condições financeiras

Com exceção dos três grandes, é impossível para qualquer outro clube ter músculo financeiro para conseguir atrair um treinador estrangeiro com reputação média ou média/alta e facultar-lhe um plantel que lhe permita aspirar a uma época de sucesso. Até os treinadores brasileiros, que já tiveram uma grande expressão no nosso campeonato, deixaram de se interessar pelo futebol português, pois o mercado brasileiro explodiu e os salários que conseguem suportar atualmente não têm nada a ver com o que se praticava há 15, 20 anos.

Assim, atendendo que há qualidade suficiente nos treinadores portugueses, é muito mais lógico para os nossos clubes contratarem técnicos nacionais do que estar a apostar em nomes estrangeiros desconhecidos que terão que passar por uma fase de adaptação complicada.


2º fator: dificuldades na adaptação ao futebol português

Imaginem que em vez de Rui Vitória, o Guimarães tinha um treinador estrangeiro à frente da equipa. Imaginem depois com que cara ficaria esse treinador quando lhe dissessem que Abdoulaye acabava de encravar uma unha a 3 horas do jogo com o Porto, não podendo ser utilizado.

Ou então ficar a saber pelos jornais que o seu jogador principal está a ser negociado precisamente com o clube grande os irá defrontar daí a 1 ou 2 semanas.

O futebol português é isto: falta de ética, estádios vazios, arbitragens erráticas em função das equipas em campo ou dos jogos que se avizinham, clubes que contra determinados adversários são cordeirinhos macios e inofensivos e que contra outros só falta arrancar olhos, jogadas de bastidores, permissão de inscrição de clubes sem capacidade para pagar os salários até ao fim da época, mentalidades ultra-defensivas que não dão para mais do que jogar para o pontinho, dirigentes que abanam a cauda quando recebem umas palmadinhas na cabeça por parte do dono, e que aceitam fazer uns favores ao clube soberano com esperança de receber uns excedentários para ajudar a compor o plantel no ano seguinte.

Se os treinadores portugueses se habituaram a assistir a este estado de coisas e acabam por conseguir viver com elas como uma fatalidade que faz parte do mundo em que estão inseridos, já é mais difícil manter um treinador estrangeiro feliz (e calado) perante a ingerência de interesses obscuros no seu trabalho.

Um português tem este estado de coisas bem entranhado e já sabe ao que vai quando aceita um convite de um clube. O mesmo se aplica a treinadores que fizeram a carreira de jogador em Portugal, como Van der Gaag. Mas um estrangeiro que chega pela primeira vez a Portugal, que sabe apenas em segunda-mão rumores de como o futebol se organiza por cá, não percebe o real alcance da situação.

Os estrangeiros sabem que há clubes que vencem títulos como se fossem comprá-los ao supermercado, sabem que há duas ou três equipas acima de todas as outras e que o resto é paisagem, mas não sabem a história toda. Só quando começam a trabalhar e o esplendor do futebol português lhes bate à porta é que acabam por sentir de forma brutal o choque com a realidade. Depois não admira que as coisas lhes corram mal.