sábado, 8 de março de 2014

O Braga no lugar que lhe pertence

Jorge Maia, jornalista de O Jogo, escreveu há cerca de um ano e meio o seguinte artigo de opinião:


"E o facto é que cresceram até ficarem tão grandes que, em boa verdade, já só se sentem à vontade na Liga dos Campeões".

A forma entusiasmada com que Jorge Maia descrevia o Braga não era mais que um sentimento generalizado que se havia instalado na comunicação social portuguesa e nos comentadores de futebol.

Efetivamente o Braga vinha de três excelentes épocas que se podem considerar extraordinárias, considerando a história e a dimensão do clube. O Braga intrometeu-se na luta pelo título em duas ocasiões, nas quais conseguiu ficar à frente do Sporting (e uma vez à frente do Porto), conseguiu apuramentos fantásticos para a Liga dos Campeões frente a adversários de grande valor, e ainda chegou a uma final da Liga Europa.

Aproveitando o balanço do Braga e um dos piores períodos da história do Sporting, a comunicação social, comentadores, e paineleiros declaravam que o Sporting se tinha afastado de tal forma de Benfica e Porto, a ponto de não poder ambicionar mais que a disputa pelo estatuto de 3º grande com o Braga. Armou-se um movimento que repetia até à exaustão uma narrativa muito conveniente à concretização da bipolarização do futebol português, que embalaria o próprio António Salvador a fazer a seguinte declaração:

in zerozero.pt

Querer sobrepôr dois ou três anos de sucesso do Braga no futebol (que na altura ainda não se tinham traduzido em qualquer título) a décadas de êxitos nacionais e internacionais do Sporting nas mais diversas modalidades foi de uma desonestidade intelectual tremenda, que acabou por merecer uma oportuna resposta de Godinho Lopes ao convidar António Salvador por uma visita ao museu momentos antes de um Sporting - Braga. Foi o momento alto da presidência de Godinho Lopes, que forçou António Salvador no final da visita ao museu a recuar na sua afirmação, explicando-se atrapalhadamente que se referia apenas ao futebol e não ao panorama desportivo geral.

Não quero menorizar aquilo que António Salvador e o Braga conseguiram. Houve imenso mérito e competência ao conseguir atrair os melhores treinadores disponíveis, ao identificar uma série de jogadores de topo desaproveitados pelos grandes, ao fazer uma prospeção competente pelo resto do mercado nacional, e encostando-se a Porto e Benfica de forma a conseguir empréstimos de jogadores tapados.

Artur, Eduardo, João Pereira, Sílvio, Elderson, Moisés, Rodriguez, Custódio, Rúben Amorim, Rúben Micael, Alan, Mossoró, Hugo Viana, Salino, Lima ou Paulo César foram alguns dos nomes que disponibilizaram ao Braga uma qualidade nunca vista em equipas que não as grandes, provavelmente ainda maior que aquela que o campeão Boavista dispôs. A qualidade dos treinadores também era indiscutível: o trabalho de Jesualdo Ferreira, Jorge Jesus, Domingos e Leonardo Jardim foi extremamente competente.

O estatuto de 4º grande acabou por ser tornar muito pesado para o Braga a vários níveis, e aguentar este patamar de ambição com uma base de sustentação mais fraca começou a tornar-se gradualmente mais complicado. Hoje o Braga já não tem as benesses nos relacionamentos com os grandes que tinha antes de ser encarado como uma ameaça, o que dificulta vendas milionárias internas e oportunidades de obtenção de jogadores por empréstimo.

Acrescente-se a isso a inesperada perda das receitas da Liga dos Campeões no ano passado, ao não conseguir assegurar o 3º lugar, que era uma fatia significativa do orçamento, e que obrigou a ajustes pesados a um clube que já tinha alguns tiques de rico, nomeadamente ao pagar salários avultadíssimos a alguns dos seus jogadores, como Alan ou Hugo Viana.

Também Salvador parece já estar com a cabeça noutro lado. Não só se decidiu recandidatar às eleições à última da hora, como também parece ter perdido a paciência para aguentar sequências de resultados menos positivos.


É evidente que o atual lugar do Braga na classificação não traduz com justiça as bases que Salvador conseguiu montar, mas este biorritmo do Braga ao longo dos últimos dez anos é uma prova que tudo na vida é composto por ciclos, que podem ser mais curtos ou mais prolongados. Em clubes minimamente organizados não existem coisas como subidas a pique nem descidas vertiginosas sem que se siga um ajuste do próprio clube, dos adversários e do ambiente competitivo à nova realidade. Estranho seria que esse ajustamento não invertesse as tendências que estiveram na sua origem.