Ontem o país teve a oportunidade de assistir a um caso de histeria coletiva de proporções bíblicas. Acordámos todos com a bombástica revelação de que a UEFA tinha aceite um pedido da Juventus para analisar uma alegada agressão de Enzo Peréz no jogo da 1ª mão. A UEFA cometera o desplante de antecipar a reunião dos órgãos disciplinares de forma a tomar uma decisão sobre o assunto ainda antes do jogo da 2ª mão.
Mafia! Corrupção! Queixinhas! A indignação benfiquista percorreu o país de lés a lés, atravessou fronteiras numa espécie de inter-rail contestatário, acampando por fim às portas da sede da UEFA em Nyon.
Foi um dia repleto de capas de jornais, ameaças de boicote à realização da final da Liga dos Campeões no Estádio da Luz, sucederam-se declarações a denunciar as manobras de bastidores que conspiram contra o Benfica proferidas por antigos dirigentes, João Gabriel, e até vice-presidentes em exercício como Rui Gomes da Silva e Sílvio Cervan, ou ainda na forma de protestos na página de Facebook da UEFA. Todos a denunciar a pouca vergonha da Juventus corrupta, que tem um treinador corrupto e dirigentes corruptos, numa competição que se vai realizar no estádio desse mesmo clube corrupto, organizada por uma UEFA corrupta que tem um presidente corrupto que foi um antigo jogador desse mesmo clube corrupto.
Não me entendam mal, aprecio uma boa teoria da conspiração como qualquer outro, nem tomo a UEFA como uma organização angelical e à prova de qualquer suspeita, mas será assim tão escandaloso que um clube faça queixa de uma possível agressão de um adversário a um jogador seu, e que o julgamento do caso se faça num período que permita que o castigo do prevaricador, se for considerado culpado, seja cumprido no jogo da 2ª mão? Atendendo que os dois jogos se realizam num espaço de uma semana, quando queriam que fosse decidido o caso? Daqui a duas semanas? Daqui a dois meses? Que sentido faria Enzo cumprir o castigo na final da Liga Europa ou na fase de grupos da Liga dos Campeões da próxima época?
E será que se a UEFA temesse assim tanto o Benfica, não atuaria nesta agressão de Rodrigo no jogo com o AZ? Alguém contestaria uma suspensão de dois jogos para punir uma atitude destas?
A Juventus pode ter o passado que tem (e felizmente foi severamente punida pelo que fez, ao contrário de certos e determinados clubes de outros países), mas desde quando é que isso lhes tira o direito de recorrer às instâncias disciplinares da UEFA em situações em que se achem prejudicados?
É uma hipocrisia vermos estas atitudes a serem tomadas pelas mesmas pessoas que nos últimos meses têm andado a ridicularizar o movimento Basta!, que legitimamente protesta contra anos e anos de desvirtuamento das competições, contra uma justiça desportiva que julga em função dos emblemas envolvidos, contra os horários de jogos impróprios para levar pessoas aos estádios, ou os preços de bilhetes verdadeiramente especulativos que se tentam aproveitar do entusiasmo de adeptos que querem acompanhar o seu clube nas deslocações a recintos dos adversários.
E mais ridículo fica, quando sabemos que há não muitos anos o próprio Benfica fazia as suas próprias queixinhas junto da UEFA para tentar excluir o Porto da Liga dos Campeões (cuja vaga sobraria para o Benfica, 4º classificado do campeonato anterior), e via em Platini o seu principal aliado nessa campanha.
Junho de 2008 |
O Porto devia ser excluído da Liga dos Campeões nessa altura? Claro que sim. Percebe-se a motivação do Benfica em tentar utilizar a sua influência para punir o Porto. Enzo Pérez devia ser suspenso do jogo da 2ª mão com a Juventus se os órgãos disciplinares considerassem haver agressão? É evidente.