segunda-feira, 2 de junho de 2014

O passivo do Sporting

Aparentemente, está encontrada a fonte dos rumores dos €300M de passivo não declarado. Ao contrário do que pensava, não se trata de nenhuma informação privilegiada. A base do rumor parece ser o próprio R&C do Sporting (clube, não SAD) de Junho de 2013:

Fonte: R&C Sporting Clube de Portugal, 2012/13, relatório de auditoria pwc, pág. 103-104

Sobre isto, confesso que não tenho conhecimentos que me permitam avaliar o que significa esta observação do auditor no final do R&C. Sobre este tema das reservas, Paulo de Andrade, que certamente terá melhores conhecimentos nestes assuntos do que eu, fez o seguinte comentário:


Outro quadro que tem aparecido na blogosfera relativamente ao passivo do Sporting tem sido este:

Fonte: R&C Sporting Clube de Portugal, 2012/13, pág. 76

Somando tudo isto, os valores do passivo parecem ainda mais aterradores, pois somando os números das várias empresas do grupo ficamos na casa dos €580M. Mas na realidade isto não são contas consolidadas. Ao fazer-se a consolidação das contas, as dívidas entre as empresas que fazem parte do grupo não são consideradas.

Olhemos, por exemplo, para os valores que o Sporting Clube de Portugal tem a dever ou a haver das empresas do grupo:

Fonte: R&C Sporting Clube de Portugal, 2012/13, pág. 93

Só aqui, €170M seriam abatidos aos passivos totais (o ativo de uns é o passivo de outros). Vamos ver o mesmo nas contas da SAD:

Fonte: R&C Sporting, SAD 3º trimestre 2013/14, pág. 38

Aqui vemos que se teria que abater mais €22M em contas consolidadas (entre SAD e SPM, e SAD e SGPS). E ainda teríamos que fazer o mesmo exercício entre todas as empresas que não a SAD e o clube (ex.: entre a SPM e a SGPS), mas cujos resultados não fazem parte dos relatórios que são públicos.

De qualquer forma, o mais importante a retirar de tudo isto é que os números são públicos. A reestruturação acordada entre o Sporting e a banca foi realizada com o conhecimento destes números, pelo que me parece que temos que considerar a possibilidade de que esta campanha de atribuição de agarrar ao o maior passivo dos clubes portugueses não passar de uma tentativa de desviar as atenções das contas do Benfica -- coincidência ou não, têm sido jornalistas da Cofina a lançar estas informações para o ar, a par de pedidos de investigação da CMVM ao Sporting. Primeiro foi Pedro Santos Guerreiro com a informação de que existem €300M de passivo não declarado, depois João Querido Manha e António Varela, do Record, a pedirem uma investigação da CMVM às contas do Sporting.

Finalmente, aqui fica um quadro apresentado por Bruno de Carvalho em março de 2014, numa entrevista à TVI.


Sendo todos os números conhecidos de todas as partes envolvidas, creio que não há motivo nenhum para não considerarmos estes números que Bruno de Carvalho apresentou como bons. A dívida não é a mesma coisa que passivo, mas é de longe a fatia principal. Resta-nos aguardar por esclarecimentos vindos da direção sobre o ponto de situação da reestruturação.

Os meus agradecimentos ao Sar e ao Koba (que também fala deste tema no Futebol a 3) pelas informações que trouxeram para a discussão.

EDIT 19h15: em conversas tidas na caixa de comentários, penso que passei a perceber o que significam as reservas de €300M. O Sporting (clube) tem participações nas empresas do grupo (SAD, SPM, SGPS, cujas %s detidas pelo clube estão apresentadas no primeiro quadro deste post). 

Essas empresas do grupo têm vindo a registar prejuízos ao longo dos últimos anos (que se traduzem num desequilíbrio dos valores do passivo em relação aos ativos). Prejuízo num ano significa que o passivo cresceu mais que os ativos ao longo desse ano (ou que o passivo desceu menos que os ativos).

As reservas de €300M foram colocadas no relatório do Sporting (clube) por causa do método de contabilização escolhido. Havia duas hipóteses: 

1. A que foi escolhida, do método de equivalência patrimonial, em que o clube não coloca nas suas contas os prejuízos das empresas do grupo; 
2. O Sporting (clube) assumia as dívidas das empresas do grupo como suas (como se os prejuízos das empresas do grupo passassem a ser responsabilidade do clube) -- e aí o passivo do Sporting (clube) aumentaria em €300M, só que desapareceria virtualmente das tais empresas do grupo (SAD, SPM, SGPS, etc.). Ou seja, seria uma espécie de transferência virtual do passivo de €300M dessas empresas para o clube. 

É portanto incorreto somar-se estes €300M aos passivos da SAD, SPM e SGPS, da mesma forma que na consolidação de contas se excluem as dívidas entre as empresas que fazem parte do grupo.