sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O Sporting e os títulos nas camadas jovens

O jornal Sporting fez ontem um trabalho muito interessante sobre o estado atual da formação do clube, abordando os princípios que regem o trabalho diário da academia, e refletindo sobre algumas das razões que explicam as atuais dificuldades que as nossas camadas jovens estão a passar.

Não sou de maneira alguma um especialista na matéria, mas creio que existem dois fatores essenciais que contribuem para a nossa atual inquietação:
  • O hábito de conquista de títulos que se criou ao longo da última década, em que o Sporting dominou as competições jovens (entre 2003 e 2010 conquistámos 5 campeonatos de juniores, 4 campeonatos de juvenis e 5 campeonatos de iniciados), o que contrasta com os poucos títulos alcançados nos últimos quatro anos (apenas um campeonato de juniores e um de iniciados);
  • aumento de investimento e melhoria das condições dos rivais (Benfica, Porto, mas também Guimarães e Braga) que coincidiu com algum desinvestimento que existiu no Sporting (e cujo principal reflexo foi o definhar da rede de olheiros a nível nacional) - e ver a equipa de juniores do Benfica a fazer excelentes prestações internacionais não ajuda (há dois anos éramos nós que fazíamos excelentes campanhas na NexGen Series).

Sinceramente, aflige-me pouco ver que o Sporting conquista poucos títulos nas camadas jovens. A filosofia do Sporting sempre passou, acima de tudo, por formar jogadores que possam servir a equipa sénior. E isso reflete-se em dois aspetos que prejudicam a competitividade das nossas equipas jovens: redução do desenvolvimento físico dos jovens ao mínimo necessário, concentrando-se principalmente no desenvolvimento da vertente técnico/tática dos jogadores; e promovendo uma integração precoce dos jovens mais promissores no escalão imediatamente a seguir ou na equipa principal, onde têm um tipo de estímulos que adversários da mesma idade já não lhes podem oferecer.

Tirando a 1ª década do século XXI, o Sporting nunca foi um papão de títulos das camadas jovens. Figo e Cristiano Ronaldo ganharam 0 títulos de juniores e juvenis, e não foi por isso que deixaram de ser os monstros do futebol que o mundo inteiro se habituou a admirar. Nas décadas de 80 e 90 o Sporting ganhou apenas 3 campeonatos de juniores e 4 de juvenis.

Se Gonçalo Guedes é o fenómeno que os benfiquistas dizem que é, no Sporting já estaria a jogar na equipa principal em jogos a doer. Talvez não fossem muitos minutos, mas já teria sido utilizado várias vezes, e gradualmente o tempo de jogo iria sendo aumentado ao longo da época. E é isto que faz do Sporting o melhor clube formador em Portugal: cultura de formação, acreditar incondicionalmente nos melhores talentos da academia, não ter medo de apostar neles, mantendo a paciência e persistência dessa aposta, sabendo que dificilmente poderão ter um impacto significativo imediato. Cultura essa que existe não só ao nível da estrutura do clube, mas também dos adeptos. Não há nada que dê mais orgulho a um sportinguista do que ver um dos seus jovens a impôr-se na equipa principal. E esta cultura formadora é algo que não se pode comprar.

Para quem diga que Benfica e Porto não apostam nos seus jovens devido a uma exigência competitiva mais elevada, eu pergunto: não se arranjaria mesmo lugar para eles na rotação da equipa? Faz mais sentido e dá mais proveito darem antes minutos a jogadores como Bebé, Funes Mori, Benito, Campaña, Marcano ou José Angel?

Um dos posts que mais prazer me deu a escrever desde que comecei o blogue foi Cristiano Ronaldo: talento de geração espontânea ou produto da formação?, não só pelo tema em si - que é muito interessante - mas também por umas palavras de Aurélio Pereira que na altura transcrevi. Essas palavras explicam muito do que é a formação no Sporting, e ajudam a relativizar a falta de resultados recente das nossas camadas jovens:
"O Cristiano, depois de sair do Sporting, entrou no clube certo com o treinador certo. A formação que o Sporting lhe deu, que na minha opinião é a mais importante, ou seja, é o leite materno, é o desenvolvimento de todas as qualidades sem fazer asneiras, sem especialização precoce, ajustado ao seu físico, deixando o miúdo crescer, que infelizmente é aquilo que não se vê muitas vezes. E se nós olharmos para muitos craques brasileiros, carregados já de trabalho precoce, de vitaminas e não sei que mais, e quando chegam aqui à Europa têm uma carreira curta. O próprio Figo, e os jogadores que não são sujeitos a trabalhos forçados, têm uma longevidade totalmente diferente. O Figo fez uma carreira a um nível altamente elevado, sempre daquela bitola. Todos os jogadores da formação do Sporting mantêm níveis exibicionais exatamente porque a cultura não é fazer equipas, é fazer jogadores.


Quando o Boloni chamou o Ronaldo para fazer a pré-época, nós estávamos a disputar a fase final do campeonato nacional de juvenis, era para nós importante ganhar esse campeonato, estávamos em Junho. O que é que a formação do Sporting fez? OK, vais fazer a pré-época, não vais disputar os jogos que faltam do campeonato nacional, não te importes com isso. Foi com um programa específico para casa, descansar, para depois vir à pré-época perfeitamente seguro e tranquilo. Isto é que se chama formação. E o Sporting acabou por perder esse campeonato, mas ninguém se queixou. O Sporting não perdeu esse campeonato, o Sporting ganhou esse campeonato, porque ganhou um jogador.

E é nessa função, quando no ano passado perdemos o campeonato nacional de juniores, algumas pessoas podem ter ficado muito incomodadas, eu diria que nós ganhámos um campeonato nacional de juniores. E porquê? Porque tínhamos na primeira equipa o Bruma e o Eric. As pessoas têm que perder essa mentalidade de que é ganhando campeonatos que se trabalha bem. Não é assim."

A cultura da formação da academia não é fazer equipas, mas sim jogadores. Se for possível fazê-lo conquistando títulos nas camadas jovens, perfeito!, caso contrário, não é nenhum drama. É impossível que todos os nossos jovens venham a ser jogadores de primeira linha, mas se conseguirmos todos os anos promover um ou dois à equipa principal (diretamente dos juniores ou via equipa B), então é sinal que o trabalho está a ser bem feito.

Como é evidente, há coisas na formação do Sporting que certamente devem ser corrigidas e melhoradas. Mas não vamos cair no erro de pensar que a formação dos outros é melhor só porque têm melhores equipas e títulos nas camadas jovens. A formação não termina aos 18 anos. Pelo contrário, é partir desse momento que a fase mais difícil do desenvolvimento de um jogador começa. Os jovens formados no Benfica e Porto ao longo da última década que o digam.