segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Anjos e demónios

O nível de ruído à volta do Sporting atingiu níveis insuportáveis que desafiam a sanidade mental de qualquer sportinguista, mas ontem entrou definitivamente no domínio da loucura. Foi um dia em que:
  • A Bola avançou com o nome de Carlos Azenha para treinador do Sporting...
  • ... o Record perguntou a Simão (jogador que teve um comportamento desprezível para com o clube que investiu fortemente nele e lhe proporcionou a carreira que teve) a opinião sobre o que será melhor para o futuro do Sporting; o jornal também auscultou os sentimentos de Manuel Cajuda e do Prof. Neca, figuras com uma ligação reconhecidamente profunda (not) ao Sporting...
  • ... e finalmente O Jogo cometeu a proeza de encontrar Izmailov nos confins do mundo e conseguiu mais uma revelação bombástica que acrescenta uma nova página ao extenso dossier que o jornal tem sobre a descredibilização de Bruno de Carvalho.

Recapitulando: uma notícia que só pode ser mentira, recolha de uma tonelada de depoimentos irrelevantes e, para terminar, uma acusação absurda vinda de um dos piores profissionais que o futebol português conheceu na sua história.

De qualquer forma, nenhuma destas intervenções teve o impacto da crónica que José Eduardo escreveu em A Bola no sábado, e que foi uma espécie de prolongamento da entrevista que concedeu à RTP Informação no dia anterior, no exterior do aeroporto de Lisboa.

Em primeiro lugar porque Bruno de Carvalho, ao referir o nome de José Eduardo na última declaração à Sporting TV, legitimou-o como uma espécie de spin doctor oficial do clube - nada que os presidentes dos outros clubes não tenham em abundância. Como tal, tudo o que José Eduardo escrever ou disser daqui para a frente será lido ou escutado com muito mais atenção.

Em segundo lugar porque o antigo jogador / comentador, que alega explicitamente ter acesso a várias pessoas com conhecimento privilegiado, referiu-se a Marco Silva de uma forma extremamente violenta.


Não tendo eu quaisquer connections especiais dentro do mundo sportinguista, não tenho argumentos para desmentir ou confirmar muitas das acusações que são feitas, mas em relação à argumentação que José Eduardo usa para denegrir a gestão de plantel feita por Marco Silva já me é possível dar uma opinião - porque vi todos os minutos de jogo do Sporting até ao momento e porque estou bastante atento ao dia-a-dia do clube.

José Eduardo acusou Marco Silva de ter visto Paulo Oliveira como última solução para o centro da defesa, depois de Maurício e Sarr. Certamente que não terá visto a pré-época, porque praticamente nenhum sportinguista contestou essa decisão na altura. E na realidade nem foi a última solução para Marco Silva, pois Rabia ainda não foi utilizado.

José Eduardo acusou Marco Silva de não recuperar devidamente William Carvalho, acrescentando "que é jogador de outro empresário". William tem sido titular indiscutível, e se é verdade que já poderia ter passado pelo banco, não é razoável achar que Marco Silva quer prejudicá-lo ao mantê-lo como titular. Pelo contrário, parece-me uma prova de confiança nas suas capacidades. E trazer a conversa do empresário para este tema é desonesto: Montero (que à semelhança de Marco Silva, também é agenciado por Carlos Gonçalves) tem sido sistematicamente preterido em relação a Slimani (que tem um empresário diferente).

De seguida, José Eduardo critica a não utilização de Esgaio contra o Espinho e Boavista, sabendo-se que seria ele a única opção para o jogo com o Chelsea. Aqui concordo com José Eduardo, mas não acredito que Marco Silva terá optado por Miguel Lopes de forma a comprometer as aspirações da equipa na Liga dos Campeões.

Diz que Adrien não tem tido descanso, apesar de ter sido poupado contra Espinho e Vizela.

E finalmente critica a falta de aposta dos jovens da equipa B. Por acaso Podence até foi utilizado, mas a verdade é que um plantel principal tão extenso torna difícil o recurso à equipa B. Já referi no passado que gostava de ver plantéis da equipa A e B mais curtos e mais próximos (com trocas mais frequentes), mas não é só o treinador que deve ser criticado pela estruturação de plantéis que foi feita.

Para além disso, José Eduardo esquece-se das coisas boas que Marco Silva tem conseguido fazer: a gestão de Jefferson (começou mal, perdeu a titularidade e regressou em grande forma), a aposta continuada em Paulo Oliveira a partir do momento em que mostrou capacidade para ser titular, o grande ano de Carrillo, o impacto imediato de João Mário, a coragem em apostar em Slimani e Carrillo em simultâneo, os minutos crescentes dados a Mané e, acima de tudo, os momentos de bom futebol que já nos proporcionou, nomeadamente nas grandes exibições contra Schalke e Porto. E muitos dos resultados negativos explicam-se por ineficácia da finalização e asneiras individuais na defesa (menos imputáveis ao treinador).

Não estou com isto a dizer que Marco Silva está isento de responsabilidades nos maus resultados, nem estou a dizer que não poderá ter tido comportamentos de falta de lealdade para com o clube noutros episódios - não tenho elementos para o confirmar ou desmentir. E não vejam este texto como uma tomada de posição a favor de Marco Silva, contra o presidente - limito-me a comentar o texto escrito por José Eduardo.

O problema é que, avaliando aquilo que é o do conhecimento público, José Eduardo exagera nos "pecados" desportivos de Marco Silva. Como tal é legítimo perguntar se José Eduardo não terá também exagerado nos pecados "extra-desportivos", os tais que o fazem ser o rosto de um polvo que quer asfixiar o Sporting.

José Eduardo pede a confiança dos sportinguistas, mas eu, descrente por natureza, não consigo deixar de olhar para o comentador com alguém que tem (ou já teve) relações de negócios com o clube e, como tal, não consigo vê-lo como uma pessoa totalmente independente. Até porque em todo este episódio, não vejo que outra figura terá ganho mais em mediatismo do que José Eduardo. Arrisco a dizer que assegurou a renovação da sua página em A Bola pelo menos por mais um par de anos, e vai começar a ser bem mais frequente a sua participação em debates televisivos.

Em resumo, não acredito nem em anjos nem em demónios. A verdade encontra-se sempre algures entre os dois extremos.