Opinião de Bernardo Ribeiro, na edição de hoje do Record
Um caso bem complicado
Foi o Record que trouxe o assunto à praça publica, mas é preciso reconhecer que não por aturada investigação jornalística. Foram as palavras de Lito Vidigal, enigmáticas, de quem não concordava com a limitação, diga-se até, de quem queria levantar a lebre, que nos levaram a fazer o nosso trabalho. Curiosamente, o único desportivo a fazê-lo. Porquê? Talvez porque já vimos tantos porcos a andar de bicicleta, torna-se difícil indignarmo-nos quando vemos apenas mais um.
Mas não pode ser essa a solução. Foi um pouco isso que nós, portugueses, fizemos em relação a muitos políticos, banqueiros e empresários, e veja-se onde nos levou. Os casos Miguel Rosa/Deyverson e Kléber não fazem correr muita tinta por serem inéditos. Acontece que a falta de transparência é algo cada vez menos aceitável num país que está a sofrer muito com os erros de poucos. É verdade que fechámos os olhos a um presidente da República que compra e vende ações de um banco que é o maior caso de polícia da história. Não ligámos o suficiente a um primeiro-ministro que não se lembra se recebeu ou não 5 mil euros/mês, curiosamente o mesmo homem que se gabava de ir de Opel Corsa para Manta Rota. Achamos normal até que um banqueiro que arruinou um império receba prendas de 14 milhões e pague impostos atrasados. Mas tudo tem um fim como se vê em Évora. A impunidade é difícil de aceitar quando há crianças a desmaiar de fome nas escolas porque o dinheiro se perde num bolso qualquer.
Aqui não há Sporting, Benfica ou FC Porto. Há regulamentos. E se não servem para castigar quem até confessou ter alterado a verdade desportiva, como fez Rui Pedro Soares, então façam-se novas leis. E cumpram-se, doa a quem doer.
Em primeiro lugar é preciso reconhecer que o Record foi de facto o único jornal a fazer aquilo que competia a todos os órgãos de comunicação social: denunciar com um destaque apropriado aquilo que todos percebem que é uma forma ilegítima de desvirtuamento da competição.
No fundo é disto que se trata: existe uma regra que impede acordos de clubes para que os jogadores não possam alinhar, e essa regra foi desrespeitada - Lito Vidigal disse na 5ª feira na RTP que Deyverson e Miguel Rosa estavam em condições de jogar. No passado, Rui Pedro Soares já tinha referido aos tais acordos de cavalheiros com o Benfica. É assim tão difícil fazer uma soma de 1+1?
Basta uma dose mínima de senso comum para concluir que em circunstância alguma um clube deixa os seus dois melhores jogadores de fora em simultâneo numa partida de dificuldade elevada, a não ser que existam restrições de ordem física ou disciplinar. Quem não reconheça este simples facto ou tem um QI muito abaixo da média ou está simplesmente a ser desonesto.
E a outra argumentação de defesa que tem sido utilizada - que os outros também o faziam e nunca aconteceu nada - é absolutamente repugnante. Um ato errado não apaga outro ato errado.
Já que a Liga não viu nenhum indício de ilegalidade para atuar por iniciativa própria, o Sporting chegou-se à frente. Como é evidente, todos sabemos que será mais um processo que não terá qualquer efeito prático porque na justiça portuguesa o senso comum não é tido nem achado, e terminará tudo com um comunicado com uma explicação surreal ao nível do "houve dolo mas sem intenção".
Quem pensa assim merece os governantes que tem. Merece os bandidos que saqueiam um país já de si com pouco recursos e que deixam a fatura na mesa para que o contribuinte que não foge aos impostos pague até ao último cêntimo. As leis existem, não são cumpridas, e os prevaricadores não são devidamente castigados. Siga o baile.