Um corte de relações institucionais não é o mesmo que uma declaração de guerra. É uma medida fundamentalmente simbólica cujas consequências práticas vão pouco além da retirada de determinadas cortesias dadas a um pequeno conjunto de representantes de um clube na visita ao recinto do outro.
O corte de relações anunciado pelo Sporting veio na sequência da falta de uma tomada de posição clara de repúdio por parte da direção benfiquista face ao que se passou no passado sábado, e que foi - e bem - considerado como uma demonstração inaceitável de desrespeito ao clube, aos sportinguistas e, acima de tudo, à família da vítima do incidente do Jamor. Sim, é verdade que todos temos telhados de vidro, mas nos episódios mais recentes em que sportinguistas protagonizaram episódios lamentáveis vitimando funcionários ou património do Benfica, as direções do Sporting condenaram de imediato essas atitudes. Como tal, seria normal que se esperasse que a direção do Benfica agisse da mesma forma em relação à faixa do very light - algo que qualquer pessoa de boa fé e bom senso consideraria natural e imprescindível. Aliás, foram muitas as reações imediatas de adeptos benfiquistas - na imprensa, na blogosfera e nas redes sociais - a repudiarem o sucedido.
Muitos podem criticar a vertigem de comunicados e o estilo agressivo do Sporting - que é obviamente um reflexo da personalidade de Bruno de Carvalho -, mas a reação a frio e via jornais que veio do diretor de comunicação do Benfica que aprova tacitamente algo que a maioria dos seus sócios repudiará, acaba por ser também um reflexo perfeito daquilo que é hoje a direção encarnada: um conjunto de dirigentes autistas e anti-democráticos, incapazes de dar o braço a torcer, que blindaram os estatutos de forma a perpetuarem-se no poder e que tratam os seus sócios e adeptos como meros clientes. Nem todos os sócios são desprezados, no entanto, pois há algumas exceções à regra: esta direção trata excecionalmente bem as Casas do Benfica e as claques não legalizadas, precisamente porque juntas têm um poder eleitoral capaz de inclinar votações para o lado que apoiarem. Isto ajuda a explicar o silêncio da direção.
Mas a verdade é que esta direção do Benfica tomou recentemente outras posições que vão bastante além do valor simbólico, e que têm como objetivo final de retirar, da forma mais rasteira possível, direitos que o Sporting conquistou em função da sua história e representatividade no país. As mais significativas são o apoio benfiquista à nomeação de Luís Duque - um dirigente com quem o Sporting tem um conflito conhecido - para a presidência da Liga, e a guerra que se avizinha pelas fatias dos direitos televisivos, que poderão trazer consequências materialmente bem mais graves para o futuro dos clubes. Junte-se a isto os métodos pintodacostianos que a estrutura benfiquista usa para influenciar os organismos de poder do futebol português - e que já apresentam resultados bem palpáveis e à vista de todos - e só podemos concluir que o Benfica de Vieira não é definitivamente companhia que se recomende.
Como tal, o corte de relações institucionais é uma consequência normal da guerra fria que já existia há muitos meses. "Mais vale sós e honrados do que mal acompanhados", li algures noutro dia. Apenas desejo que a guerra fria dos bastidores e dos gabinetes não se estenda para uma guerra bem real nas bancadas e nas imediações dos estádios. Havendo ou não relações entre os clubes, continuará a ser obrigação de todos os dirigentes fazer tudo ao seu alcance para evitar que cenas como as que aconteceram no final do dérbi aconteçam.