quarta-feira, 1 de abril de 2015

A entrevista de Bruno de Carvalho ao Record

Se tivesse que resumir em poucas palavras a entrevista de Bruno de Carvalho ao Record, diria que o facto mais marcante foi precisamente o facto de... não ter havido declarações propriamente marcantes.

Foi uma entrevista de balanço de mandato - em que poucas ou nenhumas novidades foram reveladas - e sobretudo virada para dentro, abordando todo o tipo de questões relacionadas com o Sporting, sem alfinetadas aos rivais. Mesmo na secção da entrevista destinada a analisar o relacionamento com Benfica e Porto houve um foco superior naquilo que une os clubes (nomeadamente nos grupos de trabalho que se forma para a resolução de determinados problemas do nosso futebol) e menos naquilo que os separa. Mais institucional, mais programada, menos imprevisível, em consonância com a nova estratégia de comunicação.

Não havendo propriamente muito sumo para se espremer, existem no entanto alguns temas que merecem alguma atenção. 


O relacionamento com Marco Silva

O ponto mais sensível das entrevistas teve a ver com o caso que houve com Marco Silva em dezembro. Bruno de Carvalho não se alargou muito em explicações sobre o que terá acontecido naquele turbulento fim de ano, apenas confirmando que Marco Silva nunca chegou a ser despedido (ao contrário do que apareceu na imprensa). No entanto, pode-se concluir pelas suas palavras que a possibilidade lhe terá passado definitivamente pela cabeça. Disse também que neste momento as relações com o treinador estão normalizadas - pelo menos do seu lado - e que em breve começarão a preparar a próxima época. 

Fica também muito claro que para Bruno de Carvalho não ganhar a Taça de Portugal simplesmente não é uma opção. O troféu terá que ir para o museu de Alvalade, não havendo qualquer atenuante que justifique um eventual fracasso. Resta saber, na eventualidade de tal situação se verificar, qual o impacto que isso poderá ter na continuidade do treinador.

Creio que todos os adeptos sportinguistas, desde os mais críticos aos maiores apoiantes do presidente, consideram a conquista da Taça o único resultado aceitável na prova. Não é uma questão de estarmos a colocar maior ou menor pressão nos jogadores, equipa técnica e direção, é mesmo uma obrigação atendendo às equipas ainda em prova - apesar de todo o respeito que merecem. Como tal, revejo-me inteiramente nestas palavras de exigência de Bruno de Carvalho.


A (não) admissão de erros cometidos

De forma indireta, Bruno de Carvalho admitiu que a estratégia que usou para gerir a derrota em Guimarães e o conflito com Marco Silva não foi a melhor, já que reconheceu que o impacto que ambos os episódios tiveram na opinião pública foram bastante para além daquilo que alguma vez esperou. Ou seja, não reconhecendo as suas palavras e estratégia como erros, chegou à conclusão que é preciso gerir melhor a forma como a mensagem se propaga. Como é evidente, a contratação dos consultores de comunicação é uma consequência direta dessa conclusão, e tem sido bem visível a sua influência ao longo das últimas semanas.

Também não dá o braço a torcer em relação ao fracasso que se revelou a contratação de Shikabala. É verdade, tal como diz, que do ponto de vista de gestão (financeira) as contas fazem-se no final. Se o jogador for vendido por um valor igual ou superior ao que o clube despendeu, nesse caso não se poderá dizer que seja um desastre. No entanto, do ponto de vista desportivo foi um fracasso óbvio. Em primeiro lugar porque foi um não fator na época de 2013/14, alinhando 15 escassos minutos na última jornada - e muita falta nos fez uma solução alternativa para o meio-campo. Depois, porque o seu desaparecimento (sem esquecer a rábula da retenção no aeroporto umas semanas antes) acaba por não ser uma total surpresa atendendo à fama que já trazia consigo.

Mesmo que o Sporting recupere o dinheiro, Shikabala será sempre uma contratação falhada. Com custos financeiros bastante moderados, é certo (o jogador custou €180.000, infinitamente menos grave que a compra de Pongolle, por exemplo), mas para todos os efeitos falhada. Teria ficado bem a Bruno de Carvalho admiti-lo. Ninguém está à espera que seja infalível.


Taça da Liga

Segundo Bruno de Carvalho, a Taça da Liga deixou de ser uma questão política. Honestamente, não compreendo porquê: a malta do dolo sem intenção ainda lá está toda, o respeito pelo Sporting continua o mesmo - ver a celeridade com que o próprio Bruno de Carvalho foi suspenso há um mês -, e a Liga e a Federação continuam a agir ao serviço de interesses que nada têm a ver com o dos clubes em geral - a ação interposta contra a proibição dos fundos é um bom exemplo.

Dito isto, e atendendo à pouca importância da Taça da Liga, gostaria de continuar a ver a aposta em jogadores menos utilizados ou da equipa B. Foi graças à Taça da Liga que se "descobriu" Tobias Figueiredo e que ficámos com a certeza de que há matéria-prima pronta a usar, como Wallyson e Gauld. Na eventualidade de chegarmos às meias-finais, não havendo restrições auto-impostas à utilização de jogadores, já se poderá incorporar alguns dos melhores jogadores disponíveis - desde que isso não comprometa as restantes competições.


Teto salarial

Pela primeira vez, Bruno de Carvalho afirmou que há flexibilidade para definir patamares salariais diferentes, desde que isso seja bem aceite pelo balneário. Ou seja, será possível pagar salários mais competitivos aos melhores jogadores do plantel (só em casos muito especiais, como é óbvio), permitindo eventualmente prolongar a sua presença no clube.

No verão passado falava-se que as contratações teriam um teto salarial de €300.000. Será que haverá maior flexibilidade também para reforços (realmente) cirúrgicos? Poderemos estar perante uma inversão da política de contratações do último defeso, em que se comprou barato e em quantidade, mas acrescentando pouco em qualidade no imediato?


Labyad e Nani

O regresso de Labyad é uma boa notícia, assumindo que esse será o desejo do treinador e que todas as questões financeiras estão definidas e aceites pelo jogador. O marroquino encontrará um clube bastante mais estável, com algumas referências no plantel que se foram formando ao longo das últimas duas épocas, e como tal terá condições bastante mais favoráveis para concretizar o seu inegável potencial.

O anúncio da saída de Nani é normal, já que seria irrealista esperar o contrário. A conjugação de fatores que nos colocou o craque à nossa disposição foi um pequeno milagre, e não faz qualquer sentido esperarmos que os astros se alinhem novamente em nosso benefício. Aproveitemos pois os jogos que nos restam. Nunca se sabe quando Nani tirará novos coelhos da cartola, como os fenomenais golos ao Maribor e ao Gil Vicente.