O termo Mística é muito utilizado no universo portista para resumir um conjunto de valores e princípios de exigência que são transmitidos dentro do balneário por um conjunto de jogadores com estatuto no seio do plantel - adquirido pelo seu historial no clube, pelas conquistas alcançadas e pela própria personalidade - ao resto do grupo de trabalho. Na prática, são uma espécie de provedores do clube, a primeira linha de defesa dos padrões de compromisso indispensáveis para alcançar os objetivos definidos. Um círculo virtuoso que durou décadas, em que os líderes de uma geração aprendiam com os líderes da geração anterior que, por sua vez, tinham assimilado a tal mística com as referências de balneário que os acolheram no plantel. Assim continuou até que, alguns anos atrás, essa transmissão de mística foi interrompida. Retomar a mística é, agora, uma tarefa bem mais complicada, pois não é algo que surja por geração espontânea ao fim de um par de anos.
No caso do Sporting, as últimas décadas não foram férteis em referências de balneário que servissem de exemplo aos mais novos. Não só pela questão da falta de títulos - jogadores habituados a conquistas são olhados com outro tipo de respeito - mas também pelas dificuldades reveladas pelo Sporting em manter os seus melhores jogadores e - provavelmente o mais importante - por uma certa falta de cultura de exigência que anos consecutivos de maus resultados acabaram por enraizar. Depois de Manuel Fernandes veio Oceano, mas depois disso… contam-se seguramente pelos dedos de duas mãos os jogadores que foram os líderes de balneário de que o Sporting necessitava. Lembro-me, por exemplo, de Sá Pinto, de Schmeichel (não tanto pela história no clube, mas pelo feitio e pelo currículo impar) e, até certo ponto, de Pedro Barbosa.
Hoje, é bem possível que estejamos a assistir à construção de uma verdadeira mística leonina. A cultura de exigência foi recuperada e, ao mesmo tempo, começam a afirmar-se ao mais alto nível jogadores com anos e anos de Sporting, que vivem intensamente o clube, que compreendem os adeptos, e que parecem sentir Alvalade como uma casa que é verdadeiramente sua.
Refiro-me, especificamente, a dois jogadores: Rui Patrício e Adrien Silva. Atletas da casa, ligados ao Sporting há mais de uma década, titulares indiscutíveis há vários anos, capitães e líderes pelo exemplo que dão. Jogadores com uma vida profissional e familiar estável que, não sendo imunes a determinado tipo de propostas que lhes possam aparecer, parecem sentir-se realizados pela carreira que estão a ter em Alvalade. Mesmo a questão do currículo deixou de ser um entrave, pois conquistaram um título internacional inédito na história do futebol português: o campeonato da Europa.
A forma como Rui Patrício percebeu que era importante jogar contra o Lyon, no dia em que tinha interrompido as suas férias para comparecer na apresentação, mostra como percebia o que estava em causa para o clube, para a equipa, para os adeptos, mesmo tratando-se apenas de uma partida amigável. E a postura de Adrien, dentro e fora de campo, é permanentemente exemplar. Dois esteios que ajudarão a pautar os padrões de exigência necessários para conquistarmos os títulos que tanto ambicionamos.