domingo, 29 de janeiro de 2017

Um leão viciado em sofrimento

As coisas são o que são: o estado psicológico - futebolisticamente falando, claro está - deste sportinguista que vos escreve já viveu melhores dias. Comentava com os meus companheiros de bancada, ao intervalo, que não me conseguia sentir tranquilo com a vantagem de 3-0 construída durante a primeira parte. Apesar do domínio avassalador que o Sporting demonstrara até então, apesar das grandes exibições de Gelson, Schelotto, Dost, Adrien e Alan Ruiz, apesar do entusiasmo que parecia contagiar a equipa e as bancadas, não conseguia deixar de pensar em todos os fatores adversos - um meio-campo amarelado ou em risco de exclusão e a tremideira que poderia surgir com um eventual golo do Paços - que poderiam azedar uma noite que, até ao momento, roçava a perfeição. Porque sei que o Sporting é um viciado em sofrimento. E ontem, lá está, não foi capaz de passar sem a sua dose habitual. Felizmente que, desta vez, o final foi mais feliz, pois, para alívio generalizado, Dost deu a estocada final na partida imediatamente a seguir ao segundo golo do Paços. 



A primeira parte - Jesus disse, na flash interview, que talvez tenham sido os melhores primeiros 45 minutos do Sporting esta época. Tendo a concordar com o treinador. O Sporting entrou em campo com vontade de marcar rapidamente, jogando com intensidade e de forma mais prática do que tem sido normal. Para essa maior simplificação de processos foi decisiva a capacidade de desequilíbrio em velocidade do nosso flanco direito: Gelson Martins e Schelotto combinaram muito bem, fazendo duas das exibições mais positivas da equipa. Destaque também para Adrien e Alan Ruiz: o capitão esteve bastante dinâmico, aparecendo várias vezes na área para finalizar, enquanto o argentino parece estar a definir melhor o tempo de controlo e entrega do esférico. A consequência desta conjugação de fatores foi uma primeira parte de grande nível, colorida com três golos e várias outras oportunidades para marcar.

A qualidade dos golos - falo do 2º e do 3º, obviamente. Duas obras de arte, cada qual dentro do seu género. Valeram, por si só, o preço do bilhete.

De novo Bis Dost - mais dois golos, à ponta-de-lança, o último dos quais devolveu a tranquilidade à equipa. Já leva 16 golos em 16 jogos (8 golos nos últimos 5 jogos), com uma taxa de aproveitamento fenomenal, e sem qualquer penálti convertido. Começa a ser difícil encontrar adjetivos que o classifiquem.

O "Ruuuuuuui!!!" voltou a ouvir-se em Alvalade - depois de ter comprometido na jornada passada, Rui Patrício deu a melhor resposta possível: voltou a ser decisivo. Efetuou três defesas cruciais, uma das quais magnífica, quando impediu que Welthon, isolado, reduzisse para 3-2 ainda antes dos 60'.  



Incapacidade de gerir resultados - mais uma vez, o Sporting tinha tudo para ter o jogo controlado... mas foi incapaz de gerir o resultado. É certo que a falta de confiança que advém dos maus resultados dos últimos meses não ajuda, mas também há uma questão tática que, na minha opinião, Jorge Jesus deveria ponderar: a disposição das peças tem de ser necessariamente diferente quando queremos abrandar o ritmo de jogo. Abrandando o ritmo de jogo, ficamos mais expostos à pressão adversária - que, em desvantagem, tem maior interesse em procurar a bola -, que reduz drasticamente as linhas de passes disponíveis e acaba por forçar erros dos nossos jogadores. Para além disso, consentimos demasiadas situações de contra-ataque - recordo-me de três ou quatro situações de igualdade ou vantagem numérica de jogadores do Paços. O nosso meio-campo deveria ser reforçado para não se correr tantos riscos, quer nas trocas de bola, quer na contenção necessária quando a perdemos. Mas o meio-campo não só não foi reforçado, como ainda sofreu com as dificuldades físicas que Alan Ruiz e Bryan Ruiz revelaram a partir dos 60 minutos. Assim fica difícil controlar o quer que seja.

Bolas paradas defensivas - o Paços de Ferreira conseguiu criar imensos problemas nos vários cantos de que dispôs. Marcou um golo e não ficou longe de fazer abanar as redes noutro par de ocasiões. Na semana passada, na Madeira, o Sporting também se revelou bastante vulnerável neste tipo de lances - o que é preocupante para a próxima jornada, considerando que o Porto tem tido um aproveitamento bastante apreciável nas bolas paradas.

O amarelo de William - o nº 14 foi um dos protagonistas do grande momento da noite, ao fazer a assistência para o golo de Gelson, mas, no geral, a sua exibição foi bastante cinzenta na primeira parte. Falhou muitos passes, errou no timing de pressão em algumas situações que deixaram a defesa exposta, e, para piorar, viu um cartão amarelo desnecessário (mas justo) que o deixa de fora do jogo do Dragão. Há que dizer, no entanto, que melhorou de produção na segunda parte, quando se adiantou no terreno e passou a ter Palhinha nas suas costas.



Regresso às vitórias com uma exibição que, a espaços, fez lembrar a equipa dominadora que tivemos na época passada. Segue-se um desafio importantíssimo no Dragão, que, correndo bem, pode servir para a equipa recuperar muita da confiança perdida.