João Querido Manha, diretor do jornal Record, a propósito da atual tentativa de afastamento de Mário Figueiredo liderada pelo Porto, escreveu provavelmente o editorial mais desafiador dos poderes instalados de que tenho memória nos últimos tempos, com o título "A união Benfica Sporting".
Para quem não quer ler o editorial inteiro, ficam aqui as passagens que acho mais relevantes.
"Eleito, sufragado e escrutinado em sucessivas assembleias, o presidente da Liga foi conseguindo manter o seu rumo em busca de soluções meio utópicas, com realce para a centralização de direitos de televisão – ou seja, retirar os direitos à central de Oliveira."
"Neste momento, sabemos quem são os opositores declarados, sempre com o FCPorto à cabeça, numa assunção comovente da defesa dos interesses de Joaquim Oliveira, pois os amigos são para as ocasiões. Sabemos de que lado está o FCPorto, mas ainda se aguarda que Benfica e Sporting saiam da sua posição envergonhada. Os grandes foram derrotados na eleição de Figueiredo, mas agora preferem ficar longe das polémicas e do desgaste que o tema sensível vai provocar nos próximos tempos. E os leões, depois de terem renegado uma coexistência pacífica de décadas com o FCPorto, também se colocaram numa posição incómoda, de equilíbrio impossível, dada a sua dependência económica de Oliveira."
"A união Benfica-Sporting, ainda virtual, mal assumida e mal percebida pelos adeptos respetivos, é toda uma nova perspetiva para os próximos tempos. Como no conceito proverbial de Voltaire, mais uma vez os bons espíritos encontram-se na esquina da vida e estão condenados a entenderem-se."
Apesar de eu achar que a dupla Pinto da Costa / Joaquim Oliveira é o cancro responsável pela adulteração da verdade desportiva em Portugal nas últimas décadas, não podia estar mais em desacordo com João Querido Manha. E muito menos com o papel que João Querido Manha pretende dar ao Sporting. Por três motivos que passo a explicar.
1. Mário Figueiredo não merece ser defendido
Mário Figueiredo tem sido um mau presidente da Liga. Não nos podemos esquecer que há poucos meses propôs um alargamento do campeonato a 18 clubes com a época a decorrer, garantindo que nenhum clube desceria de divisão. Procurou aprovar de forma encapotada um regulamento que abriria as portas à centralização dos direitos televisivos. Já declarou que a taça da Liga deveria acabar, sem propor alternativas para substituir a competição de uma forma que valorizasse a qualidade em vez da quantidade.
2. Não é esta a luta que queremos
O cargo de presidente da Liga é uma espécie de Rainha de Inglaterra. O poder real que tem é pouco. Estará sempre dependente do apoio da maioria dos clubes para conseguir aprovar o que quer que seja. Se o Porto colocar Rui Pedro Soares na presidência da Liga, dificilmente conseguirá tirar proveitos desportivos adicionais aos que já tem garantidos.
O que o Porto pretende é dar o conforto a Joaquim Oliveira de que não sairão da direção da Liga mais tentativas de retirar à Olivedesportos o quase monopólio de que dispõe neste momento.
Conforto, apenas. Porque mesmo que uma medida dessas passasse na Liga, como se resolveria o facto de muitos clubes terem contratos válidos em que cedem por vários anos os direitos de transmissão dos jogos? Seria uma luta legal que se arrastaria durante anos.
Não me parece que o Sporting se deva expor por causa deste assunto. Ainda por cima porque terá que considerar que o Benfica, sendo um player na questão das transmissões televisivas (para já detém os direitos de 3 equipas profissionais em 38 -- Benfica, Benfica B e Farense), poderá ter uma agenda própria para substituir parcialmente aquilo que a própria Olivedesportos é hoje.
A luta em que o Sporting deverá jogar as fichas todas, e em aliança com o Benfica, será nas eleições para a FPF. A presidência da FPF, o Conselho de Arbitragem, o Conselho de Disciplina e o Conselho de Justiça são cargos com poder real, que têm o poder de desvirtuar a verdade desportiva, seja definindo as classificações dos árbitros, fazendo as nomeações dos árbitros ou decidindo que jogadores têm direito ou não a castigos.
3. Não são estes os aliados que queremos
Apesar de achar que a generalidade dos benfiquistas quer genuinamente uma competição em que a verdade desportiva impere, considero que a atual direção do Benfica já deu sinais de que tudo está bem desde que possam também beneficiar de benesses arbitrais e de secretaria. É que, apesar de tudo o que dizem, o Benfica tem atualmente poder real nos organismos mais importantes do futebol português.
Enzo Perez cospe num adversário? Zero jogos de suspensão. Cardozo agarra a camisola de Pedro Proença após ter sido expulso, e gesticula de forma ameaçadora para o árbitro? Tem direito apenas a uma repreensão por escrito. Jorge Jesus põe em causa a honestidade de equipas de arbitragem. É suspenso 15 dias numa altura em que o campeonato está parado. Capela tem uma arbitragem escandalosa? Limpinho limpinho.
O Benfica tem poder e usa-o em proveito próprio sempre que há necessidade disso. Por isso, se o Sporting for à guerra pela verdade desportiva, não o pode fazer com total confiança tendo um parceiro como Luís Filipe Vieira.
E a apoiar uma lista comum para a liderança da FPF, não poderá ser com gente como Nuno Lobo, um homem medíocre e sem formação, cujo único atributo que o faz ser amado pelos benfiquistas é não gostar de Porto e Sporting. Seria necessário encontrar uma figura acima de qualquer suspeita. E aí não seria importante que fosse benfiquista ou sportinguista.
Voltando ao editorial de João Querido Manha, não nos podemos esquecer que este homem é um moço de recados do Benfica. A parceira Cofina - Benfica é, na realidade, uma máquina propagandista de Vieira a troco de conteúdos que aumentem as audiências do CM TV e do Record.
O que Manha está a fazer é a pressionar o Sporting para dar a cara, para sair a jogo em nome dos interesses do Benfica.
Aliás, para verem o caráter deste senhor, sabem qual foi o tema da sua coluna semanal no Record (na altura ainda não era diretor) imediatamente a seguir ao Benfica - Sporting do "limpinho limpinho"? Os benefícios de arbitragem que o Porto estava a ter. Em relação a João Capela nem uma palavra. De bons espíritos estamos conversados.