segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O pecado original do jornalismo desportivo

Desde que escrevi o post sobre o Sporting - Belenenses, voltei a ver as repetições do lance da falta sobre Cédric que deu origem ao 1-0. O jogador do Sporting nunca chega a entrar na área, pelo que devia ter sido marcado apenas livre. É um erro grave, porque ajudou a desbloquear um jogo que até à altura estava complicado, apesar de ainda faltar muito tempo para o fim.

Mas achei curiosa a abordagem ao jogo feita pelo jornal A Bola no Domingo.


"Pecado original". "Nem Belenenses nem Sporting mereciam tal erro do árbitro". "Clássico lisboeta condicionado por 'penalty' absurdo que deu golo a Adrien".

3 - três - three - trois - drei - tre (!) referências ao erro do árbitro na primeira página. Apesar de não ter por hábito comprar o jornal, confesso que mesmo que me oferecessem o exemplar de domingo não teria coragem para o abrir, com medo que se tratasse de uma edição especial pop-up (como aqueles livros de crianças que ao abrir levantam um cenário relacionado com a história).


É um critério jornalístico que temos que respeitar, pois o jornal A Bola é conhecido pela sua coerência. Por exemplo, no outro jogo em que o Sporting foi claramente beneficiado (contra o Olhanense), também houve referência de capa para o erro de arbitragem.



"Colombiano fez o primeiro golo em fora de jogo". Chamada de capa objetiva e certeira, sem deixar dúvidas. Muito bem.

Os sportinguistas devem ter consciência que não é nenhuma perseguição do jornal A Bola ao seu clube. Em casos em que o Porto foi beneficiado a coerência mantém-se, como na vitória sobre o Paços de Ferreira.



"Só perto do fim e em lance duvidoso." Nem mais. E quando Proença inventou um penalty a favor do Porto contra o Guimarães, tivemos isto:


"Também tu, Pedro?!". "Dragão vence com erro de arbitragem". "Josué transformou em golo 'penalty' que não existiu". "A 'doença' contagiou o melhor do mundo". "Paulo Fonseca desta vez não sabe se era ou não 'penalty'". Mais uma vez não há nada a apontar, foi um lance vergonhoso e o jornal A Bola fez muito bem em denunciar este erro.

O que também se nota é uma escalada na intensidade das acusações. Primeiro, no Olhanense - Sporting e no Paços - Porto, umas lacónicas constatações de factos. Depois, no Porto - Guimarães e no Sporting - Belenenses, A Bola perdeu a paciência com tamanhas injustiças e decidiu produzir uma novela completa na primeira página.

Como se trata de um jornal isento, o tratamento reservado para os jogos em que o Benfica é beneficiado é exatamente o mesmo. Por exemplo, quando o Benfica ganhou ao Sporting para a taça com a ajuda vergonhosa de Duarte Gomes:


Como se pode ver, A Bola foi categórica ao denunciar na capa o fora-de-jogo no 3º golo de Cardozo, o penalty de Luisão sobre Montero e o penalty por mão de André Almeida, com um arrasador "casos de arbitragem". Duarte Gomes deve ter visto a vida andar para trás perante tão incisiva crítica ao seu trabalho.

E no jogo contra o Arouca, em que o penalty que deu o empate ao Benfica a poucos minutos do fim foi também mal assinalado?


A referência "e Lima (de 'penalty')" é elucidativa. O "desesperados" deve referir-se aos jogadores do Arouca, perante a injustiça que lhes foi feita. Só não percebo porque escolheram uma fotografia com o Luisão com um ar de genuíno sofrimento.

E, para terminar, ontem o Benfica marcou o primeiro golo ao Olhanense em posição de fora-de-jogo.


"Primeiro golo encarnado é em fora-de-jogo". É um progresso, apesar de estar ainda longe das 3 referências de capa feitas ao erro de arbitragem no dia anterior referente ao Sporting - Belenenses.

Já agora, na mesma página, reparem na forma como foram tratadas as exibições de Porto e Benfica. Uns, têm direito a "muito aquém do exigível" em letras miudinhas. Outros, a "Vencer sem convencer" e "Dragão ainda não brilha" em letras garrafais.
 
O pecado original é um termo cristão que explica a origem da imperfeição humana e da existência do mal, referindo-se ao momento em que o homem deixou de viver num estado de pureza e obediência a Deus. Não sei quando se deu o pecado original do jornalismo desportivo, mas se um dia encontrar o Sr. Serpa na rua talvez lhe pergunte.