No passado mês de agosto poucos de nós sonhariam que fosse possível estarmos a ocupar o segundo lugar da classificação a seis jornadas do fim. Mesmo assim, as circunstâncias que nos levaram até este ponto podem fazer com que, para alguns sportinguistas, o segundo lugar possa saber a pouco -- considerando o facto de já termos sido líderes isolados no campeonato, e espoliados de preciosos pontos que nos colocariam numa situação ainda mais confortável, ao mesmo tempo que forçaria o líder da prova sentir o ar quente da respiração do leão a provocar-lhes arrepios na nuca.
No entanto, ainda há muitos jogos pela frente, e não tomo de maneira alguma o segundo lugar como garantido. Os cinco pontos de vantagem podem desaparecer muito rapidamente e necessitam de uma equipa concentrada e empenhada em cada uma das seis partidas que estão por disputar.
É importantíssimo que o Sporting consiga segurar este segundo lugar. Os benfiquistas mais embriagados pelo cheiro inebriante do título, e os portistas que se habituaram a tomarem por garantidas as vitórias no campeonato, certamente que olharão com desdém para adeptos que se sentem satisfeitos por serem os primeiros dos últimos. É um erro, porque o verdadeiro campeonato do Sporting não termina à 30ª jornada.
O verdadeiro campeonato do Sporting é um projeto multianual que tem o objetivo de devolver progressivamente as condições necessárias que permitam ao clube voltar a conquistar o campeonato nacional. E este segundo lugar poderá ser um degrau fundamental na ascensão que existe para fazer, por diversos motivos:
- Os milhões da Liga dos Campeões - num clube com um orçamento apertadíssimo, os 8,6 milhões garantidos são um balão de oxigénio muito importante; não serão para estourar na totalidade em contratações e salários milionários, mas permitirão certamente um pouco mais de folga para suprir as carências do plantel para a próxima época, e ajustar os salários dos jogadores que superaram as expetativas este ano
- O planeamento da próxima época - num ano de mundial, os melhores jogadores estarão em competição até finais de junho; ter que disputar um playoff de acesso à Liga dos Campeões significará um tempo de descanso reduzido para esses jogadores, que poderá ter reflexos negativos numa fase mais adiantada da época de 2014/15; para além disso, o 3º lugar implica que não se saiba se teremos ou não acesso aos milhões da LC, com todos os problemas de incerteza que isso provoca no momento em que se orçamenta a época
- Crescimento emocional dos jogadores - o facto de o Sporting se intrometer entre os crónicos dois primeiros classificados dos últimos anos será uma injeção de confiança para o próximo ano
- Pressiona despesismo megalómano de Porto e Benfica - o Braga já tinha ajudado a quebrar esse mito, mas Vieira e Pinto da Costa ficam ainda com menos argumentos para continuarem a alimentar o desastre orçamental dos seus clubes, insistindo nas contratações e salários milionários, e no desprezo pelos jovens jogadores da sua formação
- Pode facilitar a permanência dos melhores jogadores para a próxima época - para além de o dinheiro da LC poder aliviar os problemas orçamentais, a participação nessa prova poderá ser um fator muito atrativo para manter satisfeitos os melhores jogadores da equipa; no caso particular de William Carvalho, talvez oferecendo-lhe o teto salarial (mantendo intacta a cláusula de rescisão) e perante a perspetiva de jogar na Liga dos Campeões, onde terá hipótese de se desenvolver ainda mais, seja possível convencê-lo a ficar satisfeito mais um ano em Alvalade apesar da cobiça anunciada de tubarões europeus -- e todos sabemos como isso seria importante
Na minha opinião devemos cobiçar o segundo lugar como se de um título nacional se tratasse, continuando a a equipa de forma incondicional e entusiástica. O sabor desse segundo lugar só não será tão intenso porque teremos o ruído de fundo da inevitável bazófia lampiã (que não confundo com os legítimos festejos dos benfiquistas equilibrados, que terão todo o direito de desfrutar do sucesso da sua equipa), incapaz de perceber que o tique-taque do relógio os aproxima sem dó nem piedade do momento inevitável em que o peso dos €320M de empréstimos bancários e obrigacionistas fará ceder toda aquela estrutura de luxo a que se habituaram, vergando-os ao choque com a mesmíssima realidade que tivemos de enfrentar há pouco mais de um ano.
Se conseguirmos o segundo lugar, lidar com esse ruído de fundo será bastante fácil. Basta desligar a televisão durante algumas horas e o pior já terá passado. No dia a seguir a festa esmoreceu, e nós estaremos um dia mais perto de ocupar o lugar que tanto ambicionamos, porque temos um rumo realista e coerente liderado por gente competente. Tique-taque-tique-taque.