quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Um dia que ficará na memória

                                                                                                                                                   
Há determinadas coisas em que não é possível haver duas leituras. O dia de ontem ficará durante muito tempo na memória dos sportinguistas, e com boas razões: do ponto de vista desportivo, negocial e psicológico, as notícias que recebemos ontem associadas à venda de Rojo são absolutamente extraordinárias. 

Começando pelo que é mais importante para a vida do clube a médio / longo prazo, houve a notícia de que uma parte significativa da venda de Rojo será canalizada para o pavilhão, praticamente assegurando a sua construção - o que é algo de histórico. Depois de as modalidades terem vivido anos sem um local fixo para treinar e jogar, muito por causa da concentração de investimento no futebol, é justo que seja agora o futebol a retribuir para este objetivo tão ambicionado por todos os sportinguistas.

E depois, claro, o anúncio da contratação de Nani, que teve direito a uma multidão a aguardá-lo em ambiente de euforia, fazendo com que a Portela mais parecesse um aeroporto turco.

Foto: Record

É fácil de explicar a reação dos sportinguistas. Em primeiro lugar porque Nani é um jogador NOSSO, da casa, que vimos crescer e transformar-se num enorme jogador, e que durante os anos em que foi uma figura do primeiro plano do futebol mundial manteve sempre uma atitude de gratidão e respeito em relação ao Sporting. 

Depois, porque todos nós desejávamos reforços que entrassem de caras no onze e que elevassem o nível da equipa em relação ao que já tínhamos no ano passado. Pois bem, melhor que a vinda de Nani, no mundo real, é impossível. Aliás, se me falassem nesta possibilidade há três dias eu diria prontamente que só podia ser um produto da imaginação de alguém que vive completamente alheado da realidade. Pelos vistos a realidade acabou por me dar uma (boa) lição.

Sim, é verdade que Nani vem de duas épocas menos conseguidas. Mas que raio, alguma vez Nani sairia do Manchester United se mantivesse a bitola das primeiras quatro temporadas que fez em Inglaterra? Um jogador desta craveira só vem para Portugal caso não consiga afirmar-se durante um período relativamente alargado ao mais alto nível, mas isso não quer dizer que não possa ser decisivo num campeonato como o nosso. Por exemplo, o Benfica foi campeão em 2009/10 muito por causa do contributo de Saviola, um jogador cuja carreira vinha a perder fulgor desde os seus tempos áureos do Barcelona, cinco anos antes.

Não nos podemos esquecer que quando falamos de Nani, estamos a falar de um jogador de classe mundial, que foi durante anos uma das principais figuras do Manchester United, onde conquistou, entre outros títulos, uma liga dos campeões (e foi finalista vencido noutra edição), quatro ligas inglesas e um campeonato do mundo de clubes. 

Estatísticas dos primeiros 100 jogos na Premier League de Nani e Cristiano Ronaldo

É claro que o sucesso desportivo desta contratação dependerá muito daquilo que Nani quiser para si. Se encarar o regresso ao Sporting como uma licença sabática na sua carreira, é evidente que vai correr mal. Mas se sentir um mínimo de zelo e orgulho, e quiser demonstrar que para o ano tem lugar no Manchester ou noutro clube de topo de uma das principais ligas europeias que lhe pague os €5M / ano (o Manchester United achou que o jogador valia isto há menos de um ano, quando renovaram contrato até 2018), é bem capaz de fazer uma época memorável. Como acho que Nani é muito novo para pensar que a sua carreira chegou ao fim, acredito que venha com vontade de mostrar ao mundo aquilo que ainda consegue fazer.

Por tudo isto, é uma conquista negocial incrível da direção do Sporting. Aliás, os números de todo o negócio Rojo são extraordinários: €20M + empréstimo de Nani completamente livre de encargos + 20% de uma mais-valia acima dos €23M. A única reserva em relação a tudo isto é a posição da Doyen, que como é evidente fará tudo para defender os seus interesses. Segundo o que se diz, já fizeram queixa no Tribunal Arbitral de Desporto, na Suiça, que normalmente demora entre 6 meses a 1 ano a pronunciar-se sobre os casos que julga. Na pior das hipóteses, o Sporting terá que pagar €12M à Doyen (já que vai pagar imediatamente €3M para restituir o valor investido pelo fundo) mais uma eventual penalização - isto se o tribunal decidir ignorar as pressões que o Sporting denunciou.

De qualquer forma, isso serão contas para outro rosário e acredito que a direção tenha um plano alternativo para o caso de ser dada razão à Doyen - não esquecer que os €9M para o pavilhão tardarão a ser gastos, e que dificilmente isso acontecerá antes da decisão do tribunal.

O que é facto é que a habilidade negocial da direção deu frutos, apesar de partir de uma posição de força bastante relativa - visto que possuíamos apenas 25% do passe. Eticamente é certamente discutível o rasgar de contratos (o que não me agrada por uma questão de princípio), mas não é menos ético do que fazer pressões ilegítimas para forçar o clube a abdicar dos direitos que tem. O tempo dirá qual das partes tem a razão do seu lado.

Foi bom ver uma tarde e noite de pura alegria, que nos deixa com mais esperança para que outras iguais se sucedam ao longo do ano. 

Para quem ainda não comprou uma Gamebox, pensem assim: há-de tardar que tenham outra oportunidade de ver um jogador com este estatuto e classe a envergar as nossas cores. Só Nani vale o preço de 17 bilhetes. Agora, imaginem-o ao lado de William, Rui Patrício, Carrillo, Cédric, Montero, Adrien, André Martins, João Mário e de tantos outros... o que é que estão à espera para assegurar um lugar para toda a época?