quinta-feira, 26 de março de 2015

Viver bem com a ilegalidade

No passado sábado, Bernardo Ribeiro, diretor adjunto do Record, escreveu um excelente artigo de opinião sobre a questão dos jogadores emprestados que são impedidos de jogar contra os clubes com quem têm contrato:


Tem razão Bernardo Ribeiro ao escrever que já fede a novela dos jogadores emprestados que invariavelmente arranjam complicações nas vésperas de defrontar os seus clubes de origem. Depois de tantos e tantos casos, já nem o mais ingénuo e fanático dos adeptos acredita nas lesões, gripes, e virus que de forma tão previsível e conveniente assolam certos jogadores em momentos chave da temporada.

Não há melhor prova para perceber a perversidade da situação do que assistir às discussões entre benfiquistas e portistas à volta deste tema: nem uns nem outros se dão ao trabalho de defender a inocência do seu clube, preferindo realizar uma contabilização das ocorrências que demonstre que são os outros que violam mais vezes os regulamentos. Não é, portanto, uma questão de acreditar que a postura do seu clube é a correta - têm perfeita consciência de que é errada -, mas apenas de tentar demonstrar que os outros são maiores prevaricadores do que eles próprios.

A falta de méritos deste tipo de discussão é evidente, e faz tanto sentido como se de repente Duarte Lima pedisse a um juiz para ser libertado por ter sido menor burlão do que Oliveira e Costa. 

Perante tamanha evidência da total ineficácia da atual regulamentação dos jogadores emprestados - reconhecida e criticada por todos -, será completamente absurdo (mesmo para os padrões do futebol português) se a Liga não fizer alterações que entrem em vigor já na próxima época e devolvam alguma da verdade desportiva que se foi evaporando à custa de casos deste tipo.

A solução mais radical (e mais justa) passaria por proibir totalmente os empréstimos a clubes da mesma divisão. Nem Benfica nem Porto tirariam o proveito de ver jogadores que fortaleceriam os clubes mais pequenos apenas contra os seus rivais, como também os clubes mais pequenos que não têm relações privilegiadas com Vieira e Pinto da Costa deixariam de ver os seus concorrentes reforçarem-se com jogadores de qualidade superior sem sequer terem que lhes pagar os salários.

Em alternativa, pode-se proibir a utilização dos mesmos contra os clubes de origem, mas estabelecendo um limite máximo de empréstimos concedidos e recebidos. Por exemplo, nenhum clube poderia emprestar mais que um total de 4 ou 5 jogadores a equipas da mesma divisão, nem nenhum clube poderia receber emprestados mais que 2 jogadores de outros clubes nacionais. Isto daria alguma flexibilidade aos clubes mais fortes de proporcionarem um estímulo competitivo superior a alguns dos seus jogadores mais jovens, sem distorcerem demasiado o equilíbrio competitivo da liga.

Para além de repor alguma da verdade desportiva, estas medidas também teriam a vantagem de encorajar os grandes a comprarem menos e melhor. Alguém já parou para fazer as contas de quanto custam (entre investimento na aquisição e salários suportados) os jogadores emprestados? Por exemplo, só o Porto tem pelo menos os seguintes jogadores sob contrato a jogarem noutros clubes (em Portugal e no estrangeiro): Otávio, Ivo Rodrigues, Sami, Rolando, Opare, Kelvin, Varela, Carlos Eduardo, Ghilas, Pedro Moreira, Izmailov, Djalma, Abdoulaye, Licá, Josué, Kléber, Bolat, Walter, Quiñones, Kayembe, Stefanovic, Mauro Caballero, Júnior Plus e Rúben Alves. Suficiente para construir um plantel inteiro, que provavelmente até lutaria pelos lugares europeus.

Mas o mais frustrante de toda está novela é saber que mesmo que se façam alterações às regras, Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira procurarão sempre contornar as alterações regulamentares que venham a ser estabelecidas - é sabido que nem um nem outro olham a meios para atingir os seus fins. Como tal, não espantaria que perante uma limitação de jogadores emprestados começassem a proliferar cedências a la Deyverson e Miguel Rosa. Neste momento, o Benfica já se comporta como um verdadeiro fundo de investimento para o Belenenses (roubando as palavras que Rui Santos escreveu no Record de sábado). Deverá ser uma questão de tempo para o Porto começar a fazer o mesmo.