quinta-feira, 28 de maio de 2015

A qualidade da gestão de Vieira

Com a conquista do bicampeonato temos assistido a uma chuva de elogios a Luís Filipe Vieira e à sua gestão da parte de muitos jornalistas, comentadores e opinion-makers. Como é óbvio, é normal que se elogie o timoneiro de um clube que nos últimos dois anos dominou o futebol nacional - para todos os efeitos trata-se de um clube desportivo que tem como finalidade última conquistar títulos -, mas creio que se andam a misturar várias coisas que deveriam ser analisadas de forma um pouco mais separada.

Quem costuma ler o que escrevo sabe que estou longe de ser um admirador de Vieira, mas não posso deixar de reconhecer que o presidente benfiquista teve um papel absolutamente decisivo no bicampeonato ao ter decidido manter Jorge Jesus quando a esmagadora maioria dos benfiquistas pedia a sua cabeça após o desastroso final de 2012/13. Essa tem sido, aliás, a maior qualidade de Vieira ao longo destes anos: quando percebe que tem a pessoa certa numa posição, não poupa esforços para a manter consigo - nem que isso implique algumas cedências ao nível da estratégia que tem para o clube.

Outra medida bastante corajosa que tomou foi a decisão de cortar a ligação com a Olivedesportos e assumir a transmissão dos próprios jogos. Foi (e continua a ser) uma medida de risco elevado - pois depende diretamente da prestação desportiva da equipa - mas a verdade é que nestes dois anos não só conseguiu aproximar-se do lucro que um contrato com a SportTV lhe proporcionaria (e este ano provavelmente até o ultrapassará) como foi uma ferramenta fundamental para tomar o poder do futebol português.

Ainda poderia falar da habilidade para algumas jogadas de bastidores que são obviamente pouco éticas, mas não é esse o objetivo deste post. Foquemo-nos nos números que são do conhecimento público - que têm a virtude de serem objetivos e de não estarem sujeitos a especulações.

Se desportivamente é indiscutível que os resultados estão a ser muito positivos, já não consigo perceber como há tanta gente a fechar os olhos ao facto de a gestão de Vieira ser ineficiente no aproveitamento dos recursos de que dispõe. Vejamos alguns exemplos:


O custo do plantel

Todos nos lembramos da sangria a que o plantel do Benfica foi sujeito no verão de 2014. Saíram Oblak, Garay, Siqueira, André Gomes, Markovic, Rodrigo e Cardozo. No mercado de inverno já tinha saído Matic. Alguns destes eram jogadores bem caros (diz-se, por exemplo, que Garay recebia cerca de €3M / ano), e o presidente referiu a necessidade de reduzir a massa salarial do plantel. 

O efeito prático - e que todos reconhecem, com exceção de Fernando Guerra - foi um decréscimo óbvio de qualidade do plantel. Passou-se de uma equipa com grande diversidade de soluções de qualidade para outra que assenta sobretudo num conjunto de 12 / 13 jogadores. A isto não é alheio o facto de terem sido contratados jogadores que simplesmente foram um não fator ao longo da época - Bebé, Derley, Cristante, Benito, César, Victor Andrade, Jonathan Rodriguez, Mukhtar, Friesenbichler, Dawidowicz, Luís Felipe e Djavan.  

A verdade é que comparando os relatórios e contas da SAD benfiquista nos 1ºs semestres de 2013/14 e 2014/15 vemos que apesar do decréscimo de qualidade do plantel, a massa salarial não só não caiu proporcionalmente, como acabou mesmo por aumentar:



Os investimentos

Domingos Soares Oliveira referiu há dias que a era dos grandes investimentos acabou. Entenda-se por grandes investimentos aquilo que se gasta em infra-estruturas e em passes de jogadores.

Em relação ao betão, aquilo que o administrador da SAD referiu não vai ao encontro das palavras de Luís Filipe Vieira nas visitas guiadas ao Seixal que proporcionou aos jornalistas em dezembro passado. Depois da ampliação do centro de estágios e da construção dos novos campos relvados e do cubo mágico, o presidente já falou na ambição de construir a Casa do Atleta (penso que está em andamento) e um polo de ensino secundário e universitário. E creio que poucos duvidarão que depois do polo de ensino a visão de Vieira não deixará de produzir novas necessidades a serem supridas pelo setor da construção civil. Será que se tratam de equipamentos fundamentais para o sucesso desportivo do clube?

Ora, não vejo que haja grande mérito em construir tanto usando dinheiro dos outros - porque é disso que estamos a falar. Basta olhar para a evolução do endividamento do clube.

Quanto aos investimentos em passes de jogadores, Vieira referiu em agosto que tinham terminado as contratações de 8 milhões. Poucos dias depois entravam duas contratações milionárias para a mesma posição: Samaris e Cristante. Pode no entanto servir de consolo aos benfiquistas que tecnicamente Vieira não mentiu: o grego veio por 10 milhões e o italiano por 6. E no final do defeso, contas feitas, nunca o Benfica investiu tanto no seu plantel.


As vendas milionárias e o abatimento do passivo

No espaço de um ano, entre janeiro e dezembro de 2014, o Benfica vendeu Matic (25M), Rodrigo (22,8M por 74% do passe), André Gomes (10,5M por 70% do passe), Garay (2,4M por 40% do passe), Markovic (12,5M por 50% do passe), Oblak (16M por 80% do passe), Cardozo (4M por 80% do passe), Mitrovic (1,2M) e Enzo Perez (25M). 

Ou seja, todas estas vendas perfazem um valor total de 152 milhões de euros dos quais, retirando-se as parcelas de passes pertencentes a terceiros, renderam ao Benfica 120 milhões de euros. Olhemos qual o impacto que estas vendas tiveram na evolução de alguns indicadores entre o 1º semestre de 2013 e o 1º semestre de 2014 (período de tempo em que todas estas vendas foram contabilizadas):


O passivo baixou 20 milhões (de 449 para 429), as dívidas a fornecedores e outros credores subiram 3 milhões (de 74 para 77), os valores a receber de clientes e outros devedores subiram 35 milhões (de 52 para 87), os empréstimos bancários e obrigacionistas baixaram 10 milhões (de 319 para 309).

Genericamente são bons indicadores que apontam para uma recuperação das contas, mas não seria de esperar bastante melhor num ano de vendas absolutamente excecional? Duvido que alguém acredite que o Benfica volte tão cedo a receber um valor sequer aproximado de 120 milhões na transferência de jogadores - a não ser aqueles que acham que Cancelo foi mesmo vendido por 15 milhões e que Cavaleiro e Hélder Costa irão cada um por outro tanto. 


Conclusão

Não me compete a mim dizer se o Benfica estará no bom ou no mau caminho. O que queria demonstrar com estes números é que convém separar um pouco mais a prestação desportiva do Benfica em relação ao resto, pois existe um desperdício demasiado grande de recursos para se poder afirmar que a gestão benfiquista seja exemplar.