segunda-feira, 13 de maio de 2024

Sporting 2023/24: A magnum opus de Amorim

O campeonato conquistado em 2020/21 teve o indesmentível mérito de se ter desenhado e desenvolvido uma equipa muito sólida com pouquíssimos meios. É bom recordar que, no verão de 2020, o Sporting investiu menos de 20 milhões no reforço do plantel em jogadores como Pedro Gonçalves, Nuno Santos, Porro, Adán, João Mário, Antunes ou Feddal. Paulinho representaria o primeiro investimento significativo da era Amorim no mercado de inverno, e veio acompanhado de Matheus Reis e João Pereira, outras duas contratações de custo muito reduzido. 

Todos percebemos que foi necessário o alinhamento de vários fatores para que esta equipa alcançasse um feito que se julgava impossível: a eliminação precoce na pré-eliminatória da Liga Europa permitiu que o plantel, bastante curto, se pudesse concentrar exclusivamente no campeonato; a estrelinha que nos acompanhou em momentos críticos da época, com várias vitórias ao cair do pano; o descalabro do regresso de Jorge Jesus ao Benfica, em que se desbaratou um investimento superior a 100 milhões de euros em jogadores que tiveram um retorno desportivo praticamente nulo; um Porto que, ainda inebriado com o milagre alcançado por Sérgio Conceição na época anterior, facilitou nas primeiras jornadas e foi obrigado a correr o resto da época atrás do prejuízo; a ausência de público nos estádios que, no início da época (e apenas no início da época, sublinho), enquanto a equipa ainda se procurava definir e encontrar, acabou por nos ser benéfica; e, claro, o trabalho brilhante a todos os níveis - tático, de liderança e de comunicação - de um treinador sem curso que foi uma autêntica tábua de salvação para um clube que parecia condenado a afogar-se num tormentoso mar de autodestruição.

Um cenário, portanto, totalmente diferente ao que se pôde observar em 2023/24, em que não houve nada de acidental na forma como se alcançou o sucesso.


Poucas entradas mas muitas mudanças

O mercado de verão não trouxe uma grande quantidade de novidades. Gyökeres, Hjulmand e Fresneda foram contratados para os lugares de Chermiti, Ugarte e Bellerín. Foram dispensados vários jogadores que não mostraram capacidade para serem soluções para um candidato ao título, como Rochinha, Arthur Gomes ou Sotiris, e regressaram Geny e Quaresma após empréstimos nada bem sucedidos.

Gyökeres trouxe poder físico, instinto goleador e capacidade de exploração da profundidade, Hjulmand mostrou-se confortável a construir e a recuperar bolas bastante mais perto da área adversária do que Ugarte, e Geny é um desequilibrador no 1x1 que obriga as linhas adversárias a esticarem-se mais 10 metros, abrindo espaço para os companheiros explorarem. Estas características permitiram a Amorim transformar um estilo mastigado e previsível numa máquina dinâmica e mutável, capaz de interpretar as estratégias defensivas dos adversários e adaptar-se para tirar partido das suas debilidades.

Nada disto foi imediato, no entanto. Houve dores de crescimento bem visíveis ao início, com exibições intermitentes em que, por diversas vezes, se permitiu aos adversários reentrarem na discussão do jogo, para além de um problema na baliza que nunca chegou a ser realmente resolvido. Houve um processo de melhoramento gradual da equipa, que precisou de tempo para se conhecer, e também a afirmação de um conjunto de jogadores que parecia perdido mas que, numa altura crítica da época, contribuiu decisivamente para que o Sporting se afastasse da concorrência. 


A importância dos reforços de inverno... que já cá estavam

O mercado de inverno trouxe Rafael Pontelo e Koba Koindedri, mas os verdadeiros reforços já faziam parte do plantel. O período de dezembro/janeiro assistiu a um ressurgimento inesperado de algumas peças que redimensionaram o plantel de Amorim de forma decisiva. 

Francisco Trincão foi finalmente o agitador que mostrou ser em Braga, Daniel Bragança subiu vários patamares de agressividade nos duelos que lhe permitem tirar muito mais proveito da sua capacidade técnica e de posicionamento defensivo, e Eduardo Quaresma parece ter encontrado os níveis de maturidade e consistência que Amorim exigia.

O caso de Quaresma foi particularmente importante. O seu desenvolvimento parecia irremediavelmente comprometido após dois anos de pouco ou nenhum tempo de jogo, e apareceu precisamente quando a equipa mais precisava, com Coates e St. Juste lesionados e Diomande na CAN. A sua extraordinária exibição em Alvalade contra o Porto ficará na memória dos sportinguistas durante muito, muito tempo.


Sporting Clube Plug & Play

A partir de dezembro, com os processos de jogo consolidados e com um conjunto alargado de soluções, Amorim passou a ter alternativas para todas as posições (com exceção apenas para a capacidade física de Gyökeres, que mais ninguém no plantel consegue dar). Não se podia falar titulares e suplentes, já que o plantel contava com 17 ou 18 jogadores que podiam assumir esse papel sem impacto negativo na produção coletiva. 

A equipa arrancou então para um resto de competição a roçar a perfeição. Após a derrota em Guimarães a 9 de dezembro, foram disputados 20 jogos e, nesse período, o Sporting alcançou 18 vitórias e 2 empates - foram conquistados 93,3% dos pontos em disputa -, 65 golos marcados e 14 sofridos, que dão uma média de 3,25 contra 0,7. 

O Sporting deve ser das poucas equipas do mundo em que pode mexer nos centrais com o intuito de resolver problemas ofensivos - tal é o nível das soluções para a posição. Gonçalo Inácio tem a visão de jogo de um 10, St. Juste e Quaresma fazem incursões com bola que desorientam as muralhas adversárias, Coates tem um jogo de cabeça incomparável, as fintas de corpo de Diomande são um quebra-cabeças para qualquer adversário. Matheus Reis mostrou-se uma alternativa válida a Nuno Santos, mesmo tendo características diferentes. Hjulmand, Morita e Bragança são 3 titulares para 2 posições. Pedro Gonçalves fez uma época de nível elevadíssimo seja como avançado, seja como médio. Paulinho soube aproveitar a presença de Gyökeres no onze para ser um ponta-de-lança muito mais decisivo do que tinha sido enquanto titular.


A magnum opus de Amorim

2023/24 não foi apenas uma época de evolução de jogadores e plantel, foi também uma época de grande evolução para Rúben Amorim. O treinador soube perceber os motivos do fracasso da época anterior e trabalhar para os resolver.

Começou pelos óbvios problemas de finalização e de presença na área. O Sporting manteve o sistema, mas as características dos novos jogadores permitiram à equipa ser capaz de meter um maior número de jogadores na área ou nas imediações, causando, assim, muito mais problemas aos adversários. O Sporting 23/24, depois de implementados todos os upgrades individuais e coletivos, tem um caudal ofensivo constante e muito desgastante para os adversários. Todas as peças sabem a sua função em campo e, tão ou mais importante, sabem como se comportar em função dos colegas que têm à sua volta.

Amorim geriu com mestria os recursos que tinha, manteve um discurso motivador e consistente, e continua a saber construir um balneário como poucos. Quem olha de fora, percebe facilmente que este Sporting tem uma liderança forte fora e dentro do relvado. O "Onde vai um, vão todos" não foi o lema desta época, mas continua a ser uma realidade. 

O treinador falhou ao fazer a famigerada viagem a Londres e, de certa forma, poderia ser menos franco nas respostas que lhe foram colocando sobre o seu futuro. Mas convém não esquecer que o treinador ainda não tem sequer 40 anos. Muitos treinadores com quem concorre têm idade para serem seu pai. 

Apesar da idade, conseguiu aquilo que eu nunca tinha visto num treinador no meu tempo de vida: foi campeão por duas vezes pelo Sporting. E fez isto sem ser o que mais investiu, nem ser o que mais paga em salários, ou o que tem maior influência nos bastidores. Foi campeão por duas vezes porque esteve no clube que melhor soube investir, que melhor soube gerir os seus recursos, que melhor partido soube tirar do scouting e restante estrutura.

Resumindo, foi campeão porque fez um trabalho brilhante. Independentemente do que se passe daqui para a frente, Rúben Amorim conquistou com total mérito um lugar na história do clube.


Recupero momentaneamente a atividade no blogue para prestar homenagem aos jogadores, treinadores e dirigentes que nos proporcionaram esta conquista que nos faz transbordar de felicidade. E também porque, tão bom como saborear um sucesso destes do nosso clube, é podermos partilhar esta felicidade em conjunto, com tantos outros que sofrem e vibram como nós.