quarta-feira, 20 de maio de 2015

O ADN do Porto


Não, não vou falar dos quinhentinhos, das escutas, do café com leite, das viagens ao Brasil ou dos conselhos matrimoniais ao domicílio. Vou falar de um outro fator que, desde que me lembro de seguir o futebol, o Porto sempre conseguiu utilizar como uma importante mais-valia, e que tanto o Sporting como o Benfica foram perdendo a partir de meados dos anos 80: a forma como sempre conseguiram manter um núcleo duro de jogadores habituados a ganhar e totalmente identificados a cultura competitiva do clube.

Sei que não sou a melhor pessoa para falar do assunto, mas de qualquer forma aqui fica a opinião de quem acompanhou esse fenómeno de fora durante algumas décadas.

Eram quase todos figuras detestáveis. Usavam de todos os meios à sua disposição que os aproximasse dos seus objetivos, alguns dos quais reprováveis. Paulinho Santos, por exemplo, era um arruaceiro que de vez em quando se lembrava de pontapear a bola em vez de partes sensíveis do corpo dos adversários. Mas é preciso reconhecer que essa postura implacável e comprometida com os interesses do clube era algo que ia bastante além do simples profissionalismo: eram efetivamente uma parte do clube, sentiam o emblema que representavam e compreendiam-no tão bem ou melhor como o mais ferrenho dos adeptos. Falo de jogadores como o referido Paulinho Santos, João Pinto, Jorge Costa, André, Aloísio, Jaime Magalhães, Domingos, Gomes, entre outros, que controlavam o balneário, que mantinham os colegas 100% focados nos objetivos do clube, que sabiam o que estava em causa nos grandes momentos e que transmitiam essa cultura competitiva aos jovens das gerações seguintes, que uns anos depois passavam a ser os novos líderes.

Eram claramente outros tempos, em que ainda existiam jogadores que cresciam com a ambição máxima de representar um dos grandes portugueses, e não os encaravam como um mero trampolim para voos mais altos.

Hoje parece que não resta ninguém no plantel do Porto que encarne esse espírito, esse ADN. Sim, Helton está há muitos anos no clube, já tem um currículo preenchidíssimo, mas dá ideia de ser demasiado camarada para desempenhar bem esse papel. Para além disso, a flash interview que protagonizou no final do jogo do Restelo revelou um suposto líder demasiado alheado em relação ao fracasso recém consumado, e muito mais centrado em si próprio:


E ainda há Quaresma mas, sem estar a colocar em causa a sua qualidade como jogador, não tem claramente perfil para isso.

O principal problema do tal ADN é que necessita de algum tipo transmissão direta para se poder perpetuar no tempo. E a direção do Porto, ao mudar por completo o paradigma das contratações e da gestão de plantel, deixou quebrar definitivamente esse elo. Não digo que o Porto não consiga um dia recuperar algo parecido com esse ADN - o que à partida será muito complicado em função de como a indústria do futebol transformou a relação dos jogadores com os clubes que representam -, mas isso só poderá acontecer como resultado de um trabalho continuado que demorará anos até produzir resultados palpáveis.