segunda-feira, 24 de agosto de 2015

"Como a Doyen tentou forçar o Sporting a vender Rojo", por Pippo Russo

Artigo escrito na última sexta-feira para o site Calciomercato.com. O artigo original pode ser lido AQUI e, como já começa a ser habitual nos textos que dizem respeito ao Sporting, deixo aqui a tradução.



Um documento fundamental. Trata-se do contrato assinado entre a Doyen Sports Investments e a antiga direção do Sporting Clube de Portugal no verão de 2012 para a transferência do defesa argentino Marcos Rojo para Lisboa. Jogador que no verão de 2014 está no centro de um conflito entre o fundo maltês e o clube verde e branco, que entretanto tinha passado a ser conduzido pelo novo presidente Bruno de Carvalho. A controvérsia à margem da venda de Rojo ao Manchester United levou à quebra do contrato de TPO que tinha sido assinado entre a Doyen e a antiga direção sportinguista encabeçada pelo presidente Luís Godinho Lopes.

Segundo a versão de Bruno de Carvalho, a rotura do contrato é justificada pelas pressões feitas no verão de 2014 pela Doyen para convencer o Sporting a vender o jogador. A Doyen alega por sua vez nunca ter feito qualquer pressão sobre os clubes (Sporting incluído) para a cedência dos jogadores em que o fundo investiu, e que portanto os leões são culpados de uma rotura de contrato ilegal. Um contrato cujo conteúdo, até agora, não era do conhecimento público. Mas ontem, graças ao precioso trabalho desenvolvido por Tariq Panja da Bloomberg (LER AQUI), ficámos a saber mais. E aquilo que ficámos a saber contradiz a defesa do fundo, que se baseia no argumento de não ter influenciado a política do clube. Mas antes de analisar o conteúdo do contrato revelado pela Bloomberg é conveniente fazer um resumo rápido da história.

No verão de 2012 o Sporting Clube de Portugal, presidido por Godinho Lopes, contratou dois jogadores graças ao financiamento da Doyen Sports Investment: falamos de Zakaria Labyad, um ala de dupla-nacionalidade holandesa e marroquina, proveniente do PSV Eindhoven, e ainda de Marcos Rojo, proveniente do Spartak de Moscovo. O site da Doyen dá a notícia na área Press Room, especificando que o fundo financiou 35% da aquisição de Labyad e 75% da aquisição de Rojo (LER AQUI). Em relação a este último, cujo custo foi de 4 milhões, a Doyen pagou 3. Trata-se portanto de um caso de Third Party Investment (TPI), um esquema em que um fundo financia uma percentagem da aquisição de um jogador e como tal tem o direito a receber uma soma calculada a partir dessa percentagem numa futura venda. Passaram-se duas épocas, durante as quais Labyad não esteve particularmente impressionante. A conversa foi diferente com Rojo, protagonista no Brasil de um ótimo mundial com a finalista Argentina. A sua cotação disparou, e partir daí o conflito explode. Rojo faz pressão para ser cedido, enquanto o Sporting (que entretanto passou a ser liderado por Bruno de Carvalho) prefere mantê-lo ou vendê-lo por uma cifra mais elevada. No espaço de alguns dias chega-se a um confronto entre o jogador e o clube, mas posteriormente o Sporting decide vender Rojo ao Manchester United por 20 milhões. Nessa mesma altura o clube decide não entregar à Doyen a quota de TPI, acusando o fundo de ter estado na origem da atitude de Rojo e, como tal, ter entrado em incumprimento contratual. E fá-lo publicamente através de um comunicado detalhado no qual emergem detalhes grotescos a propósito da conduta do fundo e do seu CEO, Nélio Lucas (LER AQUI). Dos 20 milhões amealhados na venda, o Sporting entrega apenas os 3 milhões do investimento inicial a título de restituição. Por outro lado, contratualmente, cabe-lhe entregar ao Spartak Moscovo 20% das mais-valias realizadas acima de 5 milhões: portanto, 3 milhões. Sobram 14 milhões, que o Sporting retém para si. Se tudo tivesse corrido conforme o contrato, a única coisa certa seriam os 3 milhões a pagar ao Spartak. Tudo o resto é um mistério que não podemos resolver sem ler o contrato, com muitas interrogações a surgirem. Os 3 mihões entregues ao Spartak deveriam estar a cargo do Sporting e Doyen segundo a percentagem (25% e 75%), ou apenas a cargo do Sporting? Os 75% reclamados pela Doyen seriam calculados sobre a totalidade da venda (20 milhões) ou sobre os 17 que sobraram depois da parcela a que o Spartak tinha direito? Interrogações que permanecem sem resposta, porque Bruno de Carvalho declarou a nulidade do contrato assinado com a Doyen durante a presidência de Godinho Lopes. Para além disso, há que acrescentar que existem outras versões sobre a estrutura do valor de aquisição de Rojo comparticipado por Doyen e Sporting Clube de Portugal, o que faz-nos perceber o nível de incertezas que existem neste negócio. Um comentário de um internauta português no artigo da Calciomercato.com que citámos mais abaixo, reporta outros valores, e revela uma hipótese chocante: segundo notícias reportadas por alguma imprensa portuguesa no dia em que explodiu o conflito entre o clube e o fundo, o Sporting estava obrigado contratualmente a pagar uma prestação de 1 milhão por época por Rojo, como se o jogador estivesse alugado.

Por seu lado, a Doyen referiu não ter feito pressões sobre o Sporting para a venda de Rojo e recorreu ao TAS em Lausanne, pedindo um ressarcimento calculado com base em 25 milhões de euros. Segundo o fundo, na realidade, há que considerar ainda o valor de Nani, jogador que o Manchester United cedeu por empréstimo ao Sporting no âmbito do negócio de Rojo. As audiências do TAS, que contaram com um desfile de testemunhos "ilustres" a favor do fundo (LER AQUI), iniciaram-se em meados de junho e a sentença deverá ser conhecida em setembro. Mas agora, aqui ficam os detalhes revelados pela Bloomberg, graças aos quais podemos ter uma ideia mais precisa.

A Bloomberg refere que, no contrato, Sporting e Doyen estabeleceram em 8 milhões a cifra mínima para a venda de Rojo, que seria o dobro do valor pago ao Spartak no momento da aquisição. E neste ponto, refere a Bloomberg, aparece uma cláusula que vai ao encontro das alegações do clube. A cláusula diz, de facto, que na eventualidade de chegar ao clube uma oferta igual a esse valor ou superior, e se o clube recusasse, teria que pagar à Doyen 75% do valor recusado. Para ajudar a perceber, façamos um exemplo. Suponhamos que Rojo interessa ao Bayern, e que o clube bávaro apresenta ao Sporting uma proposta de 10 milhões. E vamos assumir que o Sporting rejeita essa oferta pelo seguinte motivo: porque nesse momento não pretende privar-se do jogador, ou porque crê que o pode vender por um valor mais alto nessa janela de mercado ou numa janela de mercado posterior. E bem, se a Doyen não concordasse com a decisão do Sporting de não aceitar os 10 milhões, poderia pedir ao clube para ser compensada em 7,5 milhões. Não me parece uma liberdade total, do ponto de vista do clube. Assim como não é a outra cláusula do contrato que estabelecia que, se o clube renovasse com o jogador sem o consentimento da Doyen, o clube deveria ressarcir o fundo no prazo de 3 dias uma cifra designada como "juro". Cláusula que, como especifica o artigo da Bloomberg, estão fora do perímetro das regras da FIFA, que proíbem "qualquer entidade externa de influenciar (um clube), em matérias relacionadas com o recrutamento e com o mercado de transferências, a independência, as políticas e a composição do plantel. Para além disso, no artigo vem citado o peremptório SMS enviado por Nélio Lucas a Bruno de Carvalho, já mencionado no comunicado oficial do Sporting de há um ano. Um comportamento para o qual não há comentários possíveis.

Seguramente que o contrato conterá numerosos outros detalhes dignos de nota. Mas aqueles que são citados pela Bloomberg são mais que suficientes para definir a forma como esta questão deverá terminar. É difícil sustentar que certas cláusulas contratuais não são instrumentos de pressão sobre um clube.