sábado, 7 de janeiro de 2017

As contas consolidadas do Sporting


Foram ontem divulgadas as contas consolidadas do Sporting, referentes à época de 2015/16. Bruno de Carvalho fez um post no Facebook em que faz um balanço geral da evolução registada no universo Sporting desde o início do mandato, que pode ser lido aqui:



Não vou entrar em detalhes porque a maior parte dos pontos relevantes já foram abordados na análise às contas da SAD. Há, no entanto, algumas observações que gostaria de fazer, quer sobre especificidades que é necessário levar em consideração quando falamos em contas consolidadas, quer sobre os argumentos apresentados por Bruno de Carvalho.

  • Para quem não sabe o que são contas consolidadas, vou tentar dar uma breve explicação. Basicamente, agregam as contas de todas as empresas do grupo (no caso do Sporting, há o clube, a SAD, a SGPS, a Fundação, a Sporting Multimédia, a Sporting Seguros, empreendimentos imobiliários, entre outras), expurgando tudo o que são movimentos contabilísticos realizados entre elas. É normal que as empresas de um qualquer grupo empresarial tenham relações entre si. Por exemplo: o Sporting (clube) cede à SAD os direitos de superfície do Estádio de Alvalade, pelos quais a SAD paga um determinado valor anual. Por causa dessa transação comercial, as contas individuais de clube e SAD devem refletir uma determinada receita (clube) e custo (SAD). No entanto, as contas consolidadas do grupo Sporting ignoram a transação por completo, por ter sido feita entre duas entidades que fazem parte do grupo. Por que é importante apresentar contas consolidadas? Porque, por absurdo, é possível - se for essa a decisão de quem manda num grupo empresarial -, que se empurrem, através de operações de maquilhagem contabilística, custos para umas empresas e se mantenha o fillet mignon noutras. Se isso acontecesse, algumas das empresas pareceriam (artificialmente) mais saudáveis, enquanto outras teriam resultados (artificialmente) mais assustadores. Umas contas consolidadas, ao ignorarem todas essas transações intra-grupo, acabam por mostrar a imagem global da saúde (ou falta dela) financeira do conjunto, sem as tais operações de maquilhagem. Não eliminam totalmente o risco de maquilhagem contabilística, mas são uma imagem mais completa e fiável do estado geral do grupo.
  • Da série "transparência": o Sporting, ao contrário do Benfica, está a disponibilizar as suas contas para consulta pública. Ao contrário do que se diz por aí, o Benfica não fez o mesmo. Apenas as revelou ao Expresso, que publicou um quadro muito resumido. Também foi o Sporting a única das SAD's a optar pela apresentação de contas trimestrais, enquanto Benfica e Porto não as publicaram. 
  • O estado geral das contas consolidadas do Sporting é mais preocupante que o da SAD. Apesar de o grosso da atividade do universo Sporting se concentrar agora na SAD - o futebol e o estádio -, existe um lastro pesado relativo às restantes empresas, que afeta negativamente as contas consolidadas. Por exemplo: a 30 de junho de 2016, a SAD devia 132 milhões de euros em empréstimos bancários e obrigacionistas; o restante grupo, apesar de ter um peso reduzido na atividade global, deve 80 milhões adicionais à banca.
  • Independentemente disso, os progressos assinalados por Bruno de Carvalho, registados ao longo do seu mandato, são indesmentíveis. Apesar de a saúde das contas do grupo ser precária, encontra-se bastante melhor do que há quatro anos. De destacar "forte a redução dos passivos totais consolidados que passam de €442,7M em Junho 2013 para €355,0M em Junho 2016 (redução de €87,7M)", com forte influência da redução conseguida na dívida bancária.
  • Como é evidente, a emissão das VMOCs tiveram um peso substancial nesta redução. No entanto, falamos de valores que nunca mais serão dívida, pelo que é inútil continuar a somá-las ao passivo. As VMOCs serão um dia convertidas em capital, que aumentará a posição dos bancos na SAD. O Sporting poderá recomprar uma pequena parte, no entanto, por um montante nunca superior ao seu valor nominal (mas que poderá ser inferior, conforme a variação da cotação das ações).
  • Os valores dos ativos, ao longo destes quatro anos, subiram marginalmente. Mas como referiu (e bem) Bruno de Carvalho, uma SAD que aposta na formação é particularmente penalizada na avaliação contabilística dos seus jogadores. Um jogador da formação como Rui Patrício, William, Adrien, Gelson ou Rúben Semedo valem perto de 0, do ponto de vista das contas. Para além disso, há que realçar a evolução na questão da propriedade de passes de jogadores. Há quatro anos, com a elevada dispersão de percentagens de passes por fundos de investimento, empresários e outros parceiros, a SAD não valorizava os seus jogadores unicamente para si (a regra era a SAD ter entre 30% a 70% dos passes). Hoje, o Sporting detém a totalidade dos passes da maior parte dos seus atletas, garantindo o grosso dos proveitos em qualquer venda que se faça.

  • As contas consolidadas ontem apresentadas não incluem ainda as vendas de João Mário e Slimani. Previsivelmente, a situação do grupo melhorará significativamente em 2016/17. Independentemente disso, ainda há um longo caminho a percorrer até o Sporting ter contas efetivamente saudáveis. Mas, como também escreveu Bruno de Carvalho, está no rumo certo.

  • Qual é o mérito desta evolução, considerando que o passivo se reduziu sobretudo à custa de VMOCs, e que os ativos se mantêm inalterados? Os ativos estão explicados no ponto anterior. As VMOCs são uma parte do acordo de reestruturação financeira assinado por esta direção, que conseguiu aliviar significativamente o peso da dívida, a troco de contrapartidas muito exigentes, mas de execução viável. Não se deve subestimar a dificuldade de se inverter uma espiral desastrosa - receitas a encolher, custos a disparar, situação desportiva a piorar - para a atual situação, em que já se consegue vislumbrar a luz ao fundo do túnel. Continuando o rigor nas contas e havendo uma política desportiva acertada, os frutos do trabalho realizado até agora começarão a ser progressivamente mais visíveis nos anos que se seguirão. E, com isso, as contas do grupo irão melhorando ao mesmo ritmo.