Sem perder tempo em introduções, começo pelo que, a meu ver, significa este reatamento de relações entre Sporting e Porto: é consequência da constatação, por parte de ambos os clubes, de que o Benfica é, atualmente, demasiado poderoso para ser combatido isoladamente. Aquilo que se passou nas últimas duas épocas demonstra-o na perfeição.
Já todos perceberam a enorme influência que o Benfica tem na FPF, nomeadamente ao nível da disciplina e ao nível da arbitragem. Um quadro de árbitros que é um antro benfiquista e que não poderá ser desmontado a curto prazo. As tentativas em influenciar o desfecho das eleições do V. Setúbal e Paços de Ferreira, através do apoio direto ou indireto a certos candidatos. Compra de bancadas inteiras para os jogos fora. Convites a clubes adversários para estagiarem no Seixal, às vezes quando o adversário é o próprio Benfica. O apoio de Jorge Mendes. O César. Os soldadinhos estrategicamente ao nível dos observadores e delegados. As cartilhas. A mão que têm na comunicação social, sempre expedita a tentar passar uma esponja de normalidade em todas as anormalidades que se vão passando. Considerando tudo isto, as dificuldades de Sporting e Porto em vencer títulos terão tendência para aumentar na mesma proporção que as dificuldades do Benfica terão tendência para diminuir.
No comunicado conjunto são referidas várias medidas que ambos os clubes pretendem ver implementadas, e é óbvio que, havendo uma atuação concertada de Sporting e Porto, aumentarão as hipóteses de puxar os outros clubes para o seu lado. No entanto, havendo entendimento sobre estas matérias, não era imprescindível que se restabelecessem formalmente as relações - seria suficiente manter um canal de comunicação informal no âmbito do trabalho feito junto da Liga e FPF, como aconteceu, por exemplo, na eleição de Pedro Proença ou na decisão de implementar o sorteio dos árbitros. Por que razão decidiram então os dois clubes formalizar publicamente esta reaproximação?
Na minha opinião, aquilo que aconteceu ontem é uma mensagem dirigida a todo o universo do futebol português, já a preparar as decisões que serão tomadas durante o defeso para o funcionamento da próxima época. Falamos de alguns dos tais (importantes) pontos referidos no comunicado conjunto, nomeadamente:
- As regras de implementação do videoárbitro;
- A divulgação imediata dos relatórios dos árbitros e delegados (em oposição à divulgação dos relatórios dos árbitros apenas após o seu processamento pelo CD);
- Alterações ao regulamento disciplinar e do efeito suspensivo de recursos para o TAD;
- Substituição imediata do coordenador dos delegados da Liga;
- Recuperação dos sumaríssimos para lances não ajuizados pelos árbitros e detetados nas transmissões televisivas.
Obviamente que este alinhamento entre os dois clubes recupera outros momentos do passado em que o Sporting era o parceiro menor de um relacionamento em que, no final do dia, era sempre o Porto que saía por cima. Mas a verdade é que os tempos são outros: o Porto já não tem a hegemonia nem o poder de há dez anos, e o Sporting tem hoje dirigentes que nunca deixarão de proteger os interesses do clube. Nem Bruno de Carvalho é Soares Franco e Bettencourt, nem Pinto da Costa é o Pinto da Costa da década passada. De qualquer forma, todas as cautelas serão poucas.
Consigo, portanto, entender as motivações do Sporting que estarão por trás deste reatamento de relações. No entanto, é uma situação que causa um incómodo tremendo, por tudo aquilo que Pinto da Costa representa. E porque, diga-se de passagem, não só não foram resolvidas as questões que levaram o Sporting a cortar relações há quatro anos, como o Porto não fez propriamente por justificar uma reaproximação durante estes anos que entretanto se passaram: testemunharam a favor da Doyen no caso Rojo, e estiveram na origem do caso do "dolo sem intenção" da Taça da Liga, só para dar dois exemplos. E ter que ler coisas como "considerando que é muito mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa" deixa-me completamente nauseado.
Realpolitik. Nada de novo no futebol português, onde aquilo que hoje é verdade, amanhã será mentira. Do ponto de vista estritamente racional, é uma decisão que faz sentido face ao estado atual do futebol português. Mas que me arranca um pedaço de alma sportinguista... lá isso arranca. É mais uma cartada de risco de Bruno de Carvalho. Se correr bem, terá valido a pena. Se correr mal...