quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Reportando direitos de terceiros pela porta do cavalo

Depois de Domingos Soares Oliveira ter feito referência, de forma tão eloquente, a 50.000 euros que a FPF dos tempos de Madail pagou ao Benfica pela utilização do Estádio da Luz, parece-me que a expressão "porta do cavalo" se adequa a outros casos referentes às contas que a SAD encarnada tem reportado nos últimos anos.

Três exemplos. Comecemos por Ederson. Hoje, é sabido que o Benfica estava obrigado a entregar 50% do valor de uma transferência a terceiros (Jorge Mendes e Rio Ave). Este compromisso foi assumido, seguramente, na altura em que o Benfica resgatou o guarda-redes ao clube de Vila do Conde. No entanto, durante muito tempo, o Benfica omitiu essa informação nas suas contas. Por exemplo, nas contas anuais de 2015/16, a informação que foi dada ao mercado foi a seguinte:

100% dos direitos económicos...

R&C Benfica SAD, 2015/16, página 133

... e nenhuma obrigatoriedade considerada relevante para ser incluída na nota referente à repartição de futuros ganhos ou vendas de atletas.

R&C Benfica SAD, 2015/16, página 178

Algures no tempo, no entanto, a informação de que o Benfica não iria encaixar a totalidade (nem sequer perto disso) do montante de uma eventual venda de Ederson acabou por sair cá para fora, e o Benfica teve o cuidado, seis meses depois, no relatório semestral de 2016/17 (31 de dezembro de 2016), de divulgar os direitos reais que tinham, ou seja, 100% dos direitos económicos...

R&C Benfica SAD, 1º semestre de 2016/17, página 41

... mas com o compromisso de entregar, a terceiros, 50% das mais-valias numa venda futura.

R&C Benfica SAD, 1º semestre de 2016/17, página 61

Tardou, mas lá acabaram por acrescentar informação que nunca deveria ter sido omitida aos acionistas e ao mercado, pois metade das mais-valias de uma potencial venda de um atleta do plantel principal do Benfica não são trocos, seja ele quem for.

Isto leva-nos ao segundo exemplo: Samaris. Como puderam ler na terça-feira passada (LINK), o Benfica adquiriu 100% dos direitos económicos do jogador em agosto de 2014. Dois meses mais tarde, o Benfica cedeu metade dos direitos económicos do jogador grego ao empresário Horácio Mosquito.

E agora, a pergunta que se impõe: onde é que está isso indicado no R&C do Benfica? Em lado nenhum. Talvez tenham reparado nas imagens acima (que vou reproduzir novamente de seguida) que o Benfica diz ser detentor de 100% dos direitos económicos de Samaris...

R&C Benfica SAD, 1º semestre de 2016/17, página 41

... mas não há qualquer referência ao jogador grego na nota Ganhos futuros com a alienação de direitos de atletas, apesar de o Benfica ter cedido os seguintes direitos a Horácio Mosquito:


Por que razão não foi colocada essa informação nas contas?

Curiosamente, no relatório anual desta mesma época, emitido 6 meses mais tarde (referente 30 de junho de 2017), o Benfica voltou a omitir a informação sobre os futuros ganhos.

R&C Benfica SAD, 2016/17, página 158

Por que motivo terão voltado a não dar detalhes sobre os direitos de terceiros sobre futuras vendas? Como Ederson entretanto foi vendido, acharam que deixou de interessar?

De qualquer forma, nada disto é novo no Benfica. A divulgação do arquivo de emails de Luís Bernardo permitiu-nos saber que já existiu pelo menos um caso similar no passado, e que foi alvo de perguntas por parte do consórcio de jornalistas (dos quais o Expresso faz parte) que analisou fugas de documentos como o do Panama Papers. Refiro-me à venda de Oblak ao Atlético Madrid. Reparem na pergunta B6 (podem carregar na imagem para a aumentar):


Portanto, é mais do que óbvio que o Benfica tem vindo a omitir informação relevante sobre os direitos que cedeu dos seus atletas (nomeadamente as percentagens de mais-valias de futuras vendas), e, caso a informação do acordo com Horácio Mosquito por Samaris seja válida, continua a fazê-lo nas contas atuais. Perante a técnica de utilização da porta do cavalo, do que está a CMVM à espera para pedir esclarecimentos?

P.S.: como pode haver quem coloque a questão, eis como o Sporting reporta essa informação nos seus R&C.