sexta-feira, 2 de novembro de 2018

"Em todas as frentes"

Ouvir e ler certos comentadores e notáveis que criticam o despedimento de José Peseiro é um exercício que desafia a sanidade mental de qualquer sportinguista que tenha acompanhado de perto o rendimento da equipa de futebol ao longo deste início de época. É um tipo de discurso que tem sido muito batido nos últimos anos, e em parte percebe-se como surgiu: o treinador é, muitas vezes, um bode expiatório da incompetência alheia, muitas vezes dos dirigentes que os contratam. Mas criticar o despedimento de Peseiro, neste contexto, apenas demonstra uma de duas coisas: ou são pessoas que se encontravam satisfeitas com o fraco rendimento do Sporting e que desejavam que o estado das coisas assim continuasse (cartilheiros, sportinguistas revoltados e afins); ou vem de pessoas que debitam invariavelmente um discurso de proteção do treinador, e que nem se deram ao trabalho de avaliar e perceber que, neste caso concreto, Peseiro é muito mais responsável do que vítima do destino que acabou por ter.

O Sporting teve um bom início de campeonato. Venceu 3 jogos e empatou na Luz nas primeiras 4 jornadas. Passou por dificuldades em Moreira de Cònegos, fez os mínimos em casa contra o V. Setúbal, foi dominado na Luz, e venceu de aflitos o Feirense. Qualidade de jogo sofrível mas, ainda assim, foi um arranque que superou as baixas expetativas que havia à partida. Havia tolerância para o mau futebol no pressuposto de que, com o tempo, se começaria a ver melhor futebol e maior capacidade de potenciar a qualidade que existe no plantel.

No entanto, nada disso aconteceu. Às más exibições começaram a juntar-se os maus resultados. As vitórias que fomos conseguindo foram, excetuando com o Boavista e Marítimo, magras e pouco convincentes. Fomos humilhados em Portimão. Sofremos mais do que devíamos para vencer o Loures e o Vorskla. Perdemos em casa com o Arsenal sem fazer um remate enquadrado, e voltámos a ser derrotados em Alvalade com o Estoril num jogo em que foi a equipa da II Liga a dispor das melhores oportunidades de golo.

Não há argumentos válidos para se defender Peseiro porque não há atenuantes que justifiquem tão pobre produção futebolística. Não se pode queixar de ter um plantel desequilibrado porque, segundo Sousa Cintra, as indecisões do treinador comprometeram vários reforços que estavam a ser negociados. Não se pode queixar de falta de qualidade do plantel num contexto de competições internas: quem tem Nani e Bruno Fernandes e não consegue montar à sua volta uma equipa que domine 80% dos adversários em Portugal não merece o cargo que ocupa. Não se pode queixar das arbitragens. Não se pode queixar do estado dos relvados em que joga. Não se pode queixar da falta de apoio dos sportinguistas, fora e em casa.

E muito menos podem os comentadores e notáveis utilizar o argumento de que o Sporting está "em todas as frentes". No campeonato tivemos a sorte de Benfica e Porto terem perdido pontos de uma forma que tem sido pouco habitual nas últimas épocas. Na Taça de Portugal, era só o que faltava se fossemos eliminados pelo Loures em campo neutro. Na Taça da Liga, tivemos dois jogos em casa e conseguimos a proeza de perder um deles contra uma equipa da II Liga - e agora, para além de termos de vencer na Feira para seguirmos para a final four, precisamos que o Estoril não vença o Marítimo por uma diferença de golos superior à nossa. E na Liga Europa, em que não nos podemos queixa de falta de sorte no sorteio, apenas estamos em boa posição porque conseguimos uma vitória que nos caiu do céu na Ucrânia num jogo miserável contra uma equipa que deveríamos ter derrotado sem dificuldades.

Peseiro falhou em toda a linha na tarefa de montar uma equipa competitiva nestes quatro meses - QUATRO MESES, não foram quatro semanas - em que treinou o Sporting. Estava mais que visto que, continuando Peseiro como treinador, seria apenas uma questão de (pouco) tempo e de pouca felicidade nos sorteios para irmos sendo afastados da luta pelas várias competições - e com isso, todas as áreas do clube seriam contaminadas pelo estigma do insucesso. Ao despedir Peseiro, Varandas fez aquilo que tinha de ser feito. Isso, por si só, não é garantia de que as coisas se corrigirão por completo de imediato - nenhum treinador terá tarefa facilitada nas atuais circunstâncias, pegando nesta equipa com as competições em andamento -, mas é uma decisão que tinha obrigatoriamente de ser tomada.