sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Canelas até ao pescoço

(obrigado, @ocortaphitas)

(ver expulsão de Fernando Madureira aos 4m40s)

É impossível não ficar chocado ao ver estas imagens de dois jogos do Canelas 2010, equipa onde jogam vários elementos dos Super Dragões, incluindo Fernando Madureira, o líder da claque. Aparentemente, são cenas comuns nos jogos em que participa esta equipa. 

Nunca pensei que fosse possível que se passassem coisas destas nos relvados portugueses. Olho para isto e lembro-me do jogo de futebol do filme Fuga Para a Vitória, que opunha a seleção alemã a um conjunto de prisioneiros de guerra das forças aliadas, com Stallone na baliza, e em que o árbitro tinha sido subornado por um oficial nazi. Tanto no filme, que é um produto de ficção, como nos jogos do Canelas 2010, triste realidade que até há poucos dias permanecia envergonhadamente escondida, para uma das equipas vale tudo menos arrancar olhos.


A história foi levantada no último domingo pelo Record, numa reportagem de duas páginas de leitura obrigatória, onde são apresentados vários depoimentos de dirigentes de clubes que disputam a Divisão de Honra da AF Porto. Treze dos dezasseis clubes fizeram queixa à AF Porto pela violência usada pelo Canelas, referindo a incapacidade das forças policiais e das equipas de arbitragem em reagir em conformidade. 90% dos árbitros da AF Porto recusam-se a arbitrar jogos do Canelas. Várias equipas já registaram falta de comparência em partidas contra o Canelas, e outras entram em campo evitando qualquer contacto físico, pois não têm capacidade para pagar os 750 euros de multa pela falta de comparência. Mas, aparentemente, a AF Porto ainda não tomou qualquer medida para resolver o problema.

Toda a gente percebe o motivo pelo qual a AF Porto não age contra o Canelas. Lourenço Pinto - presidente da AF Porto - e os Super Dragões são dois nós de uma rede que durante as últimas décadas tem agido com total impunidade - no futebol português, mas também no submundo da cidade do Porto. As ligações perigosas entre dirigentes portistas, empresas de segurança ilegais, elementos das claques de quem se diz fazerem parte de atividades de crime organizado e, segundo o que se fala, gente de peso na hierarquia das autoridades policiais da cidade, acabam por explicar a dificuldade (ou falta de vontade) em controlar ou acabar com este problema do Canelas.

Na realidade, não é nada de novo. O país da I Liga e dos distritais é o mesmo. Se vimos um dia José Pratas a atravessar um campo correndo de costas, estranho seria se não sucedessem cenas semelhantes em escalões inferiores. Era apenas uma questão de aparecerem as pessoas certas no momento certo.

Mas para mim, a melhor prova da impunidade e dos meios que existem para proteger os elementos desta rede é a seguinte: como é possível que só esta semana se tenha sabido disto? Que eu me lembre, nem O Jogo nem o Jornal de Notícias deram alguma vez qualquer destaque a este escândalo do Canelas.

(se por acaso alguém tiver conhecimento de alguma reportagem feita pelo JN ou O Jogo, diga-me, que colocarei de imediato essa referência)

Essa ausência de destaque de O Jogo e JN, dois jornais de cariz regional, só se pode explicar de duas formas:
  • Nenhum jornalista teve conhecimento disto (o que me parece altamente improvável, atendendo à quantidade de clubes do distrito que apresentaram queixa);
  • Havendo conhecimento da situação, optaram por manter a história escondida, com tudo o que isso implica em termos de falta de ética deontológica.

Infelizmente, neste país com uma justiça faz-de-conta e um futebol que gosta muito de brincar ao faz-de-conta, acredito que o status quo da AF Porto impeça uma efetiva resolução do caso. O que valem uns ossos partidos ao lado de amizades tão sólidas como as que se construiram ao longo dos últimos 30 anos?