quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Capas que não fizeram história, nº 56: Rui Costas Largas, ou o mais longo estágio remunerado do mundo

A recente "entrevista" que Luís Filipe Vieira concedeu à TVI decorreu, como seria de esperar, sem grandes incómodos para o presidente benfiquista. Os entrevistadores eram simpáticos e fiéis à causa, pelo que nenhum tema realmente incómodo foi lançado para a mesa. No entanto, como até ficava mal se, numa conversa tão prolongada, não se fizesse referência a um ou outro momento menos bom da presidência de Vieira, lá se colocou um par de questões sobre alguns dos flops contratados pelo Benfica. Nada que incomodasse o presidente que, de forma bem humorada, demonstrou ter a explicação para todas essas questões na ponta da língua:


Tarabat, Olán John e Djuricique? "Tenho um homem comigo que é o Rui, passa-lhe praticamente tudo pelas mãos também". "Foi dois jogadores que o Rui, fomos taco a taco com eles". "O Rui, coitado, até deu o número 10 ao Djuricic, vamos lá a ver!". 

Não custa nada: quando a coisa fica complicada, lá vem o coitado do Rui à colação.

É este o papel de Rui Costa no Benfica atual. Quando a coisa fica complicada, é normalmente o antigo jogador que dá a cara pela direção. Foi assim, por exemplo, na última derrota que o Benfica sofreu para o campeonato...


... ou quando o Benfica perdeu a Supertaça para o Sporting...


... ou após a derrota na final da Liga Europa com o Sevilha. Quando há bronca, normalmente Vieira resguarda-se na sombra, e tem de ser Rui Costa, uma figura idolatrada pelos benfiquistas, a dar a cara pela direção. Rui de costas bem largas.

Nada disto é novo, no entanto. O hábito de Vieira em recorrer a Rui Costa nas alturas difíceis é, na realidade, bem antigo, pois o agora administrador já servia de muleta ao presidente nos tempos em que ainda era jogador.

Recuemos dez épocas. Em 2006/07, o Benfica, treinado por Fernando Santos, termina a época em 3º lugar, atrás de Porto e Sporting. Fernando Santos era contestado, mas Luís Filipe Vieira decidiu mantê-lo no cargo para a época de 2007/08. No entanto, de forma algo inesperada, o presidente benfiquista acabaria por despedir Fernando Santos logo após o final da 1ª jornada, na sequência de um empate em casa do Leixões concedido em tempo de descontos. Vieira recuperaria de imediato Camacho mas, na jornada seguinte, o Benfica acabaria por ceder novo empate, na Luz, frente ao V. Guimarães.

Como é óbvio, a decisão de afastar o treinador tão cedo foi bastante polémica, e colocou o presidente benfiquista - na altura ainda sem a aura vencedora que tem agora - numa posição delicada junto dos sócios e adeptos do clube. Mas Vieira revelou já então perceber o jeito que dá ter um ídolo das massas à mão de semear. Vai daí que, em setembro de 2007, menos de um mês depois de ter despedido Fernando Santos, Vieira dá uma célebre entrevista ao jornal A Bola com o propósito de fazer uma revelação bombástica:

Setembro de 2007

Vieira planeia fazer de Rui Costa o futuro presidente do clube.


A entrevista é, toda ela, um tratado. Primeiro, Vieira dá a entender que poderá sair do Benfica a curto / médio prazo, e deixa escapar a ideia de que já tem um sucessor em mente - mas faz-se de difícil quando lhe pedem para revelar o nome:


Mas, perante a insistência do jornalista, lá se decidiu a acabar com o mistério:


Wait for it... wait for it...


Três anos! Rui Costa iria ser preparado durante três anos para ser o futuro presidente do Benfica. É caso para dizer que, quase dez anos depois, estamos perante o mais longo estágio remunerado do mundo.

Continuando: conforme o plano, Rui Costa terminou a sua carreira de jogador no final dessa época, e assumiu de imediato o papel de diretor desportivo.


Basicamente, essa foi a primeira e única época em que Rui Costa teve influência efetiva no futebol do Benfica. A contratação de Quique Flores, de sua responsabilidade, veio a revelar-se um fracasso, e, com a chegada de Jorge Jesus - escolha de Vieira, e não do seu diretor desportivo -, deixou de haver qualquer espaço para Rui Costa ser algo mais do que uma figura decorativa no futebol do Benfica. Oito anos e meio depois de Rui Costa ter iniciado a carreira de dirigente, Vieira continua agarrado ao cargo por muitos e bons anos (alguém acredita que em 2007 tinha realmente a intenção de sair no prazo de 3 ou 4 anos?). Aliás, em contradição com as palavras de Vieira, é curioso que as alterações dos estatutos de 2010, promovidas pelo presidente, tenham excluído automaticamente Rui Costa da possibilidade de ser candidato nas eleições de 2012 (por ter, na altura, menos de 43 anos de idade).

Apesar de não ter revelado tantas qualidades para dirigente como as que tinha como jogador, Rui Costa mantém-se ainda hoje como administrador da SAD - muito bem pago, por sinal -, o que apenas se pode justificar (aos olhos do presidente) pelo facto de ser uma boa cara para lançar às feras nos maus momentos. Até pode ser que venha um dia a ser presidente (ainda é um homem novo e continua a ser adorado pelos benfiquistas), mas já se percebeu que nunca lá chegará pela mão de Vieira. Aliás, também dá muito jeito a Vieira ter Rui Costa do seu lado... porque é uma das poucas pessoas do universo encarnado que teria algumas hipóteses de ser bem sucedido se o enfrentasse em eleições.

(obrigado, @MindoSCP e Eduardo!)