quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Brunão

Muitos temiam este dia - eu estou nesse grupo de pessoas. Mas era inevitável que acontecesse, mais cedo ou mais tarde. Não foi no verão passado. Se não fosse na janela de inverno, seria certamente no próximo defeso. Acabou por consumar-se esta tarde.

O Sporting oficializou através de um comunicado à CMVM a transferência de Bruno Fernandes para o Manchester United, a troco de 55 milhões de euros fixos e 25 milhões por objetivos. Desses 25 milhões de variáveis, 5 são quase certos, 5 são prováveis e os restantes 15 são de muito difícil concretização. Na prática estaremos, portanto, a falar de uma transferência que oscilará entre os 60 e os 65 milhões, que ultrapassará em 50% (ou mais) o anterior recorde de venda do Sporting (40 milhões por João Mário). 

É sabido que, deste dinheiro, há que deduzir os habituais 10% de Jorge Mendes e, depois de descontada esta parcela, 10% da mais-valia será entregue à Sampdoria: o Sporting pagou 8,5 milhões ao clube Italiano, pelo que estaremos a falar de uma mais-valia de 41 milhões, ou seja, os 10% correspondem a 4,1 milhões. Há ainda que retirar 1,38M do mecanismo de solidariedade, já que o clube inglês suportará metade deste encargo. Sobrarão, caso não existam surpresas, 44 milhões de euros para os cofres do Sporting - já se sabendo que parte será usado para abater dívida, de acordo com o acordo estabelecido com a banca. 



O negócio 

Mesmo metendo ao barulho o Midas do futebol europeu, o Sporting ficou longe de amealhar os 80 milhões que meteu como fasquia no final da época passada. Dos 80 baixou-se para 70 em agosto e, perante o insucesso das negociações, acabámos por fechar o acordo entre os 60 e os 65 milhões. 

Não é um negócio desastroso, obviamente, mas a verdade é que, constituindo esta verba um recorde na história do clube, não deixa de ser algo desapontante, já que fica bastante aquém das expetativas iniciais - e com a agravante de não haver perspetivas de entrada de um substituto minimamente à altura. De um lado, o jogador estaria certamente a fazer força para sair já. Mas, do outro, o Manchester United também estava a ser muito pressionado para contratar o jogador. Acabou por ser o Sporting a ceder na reta final da janela de transferências, numa nova demonstração da falta de capacidade negocial que tem caracterizado a gestão de Frederico Varandas. 



O jogador 

Há quem defina a passagem de Bruno Fernandes pelo Sporting em função da rescisão, sendo a sua produção em campo um detalhe menor. Eu vejo as coisas de outra forma. Bruno rescindiu, mas, ao contrário de outros com muito mais tempo de casa, voltou ao clube e, durante o ano e meio que desde então passou, deu tudo o que tinha em campo. Tudo. Levou a equipa às costas, foi construtor de jogo, foi bombardeiro, foi goleador, foi carregador de piano, foi um segundo treinador, foi capitão, foi um líder. Foi, apesar de todas as dificuldades que o clube atravessou numa das fases mais conturbadas da sua história, um jogador de quem tudo se esperava e que sempre deixou tudo em campo para tentar corresponder a todas as expetativas que recaíam sobre os seus ombros.

Apesar de ser massacrado por adversários, árbitros e uma (pequena) parte da massa associativa que nunca lhe perdoou a rescisão, Bruno nunca se encolheu e respondeu sistematicamente com um nível de jogo notável. Os dois anos e meio de excelência colocam-no ombro a ombro com os melhores que vi jogar com a camisola do Sporting, certamente o mais produtivo. Jardel fez uma época extraordinária, mas tinha um plantel de luxo a jogar para ele. Balakov é inesquecível e Figo fez uma última época fenomenal, mas, sendo ambos jogadores mais geniais, não tiveram o mesmo rendimento global de Bruno Fernandes. Cristiano Ronaldo era um predestinado, só que não lhe deram tempo suficiente para poder ser a figura do plantel em Alvalade. 

Foi um privilégio ter Bruno Fernandes no Sporting. Vai fazer muita falta, mas merece ser feliz nesta nova etapa da sua carreira. Boa sorte, Bruno! 



E agora... a vida sem Bruno 

Consumada a saída da peça central da equipa, levantam-se questões pertinentes sobre o que nos reservará o resto da época. É certo que os objetivos da época já foram quase todos pelo cano (na Liga Europa será apenas uma questão de tempo), mas continuamos ainda a ter de disputar a metade do campeonato que falta. Se a primeira volta já foi o suplício que foi, é angustiante pensar como será daqui para a frente sem o único jogador de classe mundial do plantel. 

Segundo os jornais, o Sporting não contratará ninguém para substituir o capitão. Isto significa que Silas utilizará Vietto em funções similares, o que, por ser um jogador de características bastante diferentes, provavelmente implicará mudanças táticas consideráveis. É possível que se abra um lugar no grupo para Francisco Geraldes, mas não vale a pena esperar demasiado do jogador: as dificuldades que tem demonstrado ano após ano serão sinais fortes de que terá perdido em definitivo o comboio para se afirmar em Alvalade. 

Vai ser necessário que Vietto, Wendel, Acuña - os únicos jogadores de classe superior à média - subam as suas prestações de nível e, sobretudo, de regularidade, e precisamos que o potencial de Camacho e Plata comece a afirmar-se de forma mais consistente. Se os melhores jogadores e os jovens de maior potencial não dividirem a carga que a saída de Bruno Fernandes, o mais provável é que o clube nem sequer conseguirá ficar em 3º lugar no final do campeonato - o que seria uma humilhação difícil de suportar. 

Certo, certo, é que vendemos o único jogador do plantel com valor de mercado superlativo e não há perspetivas de que outro atleta do clube atinja um patamar equivalente num futuro próximo. O dinheiro que ficará disponível para reforçar o plantel no verão terá de ser tremendamente bem aplicado. Se assim não for, as consequências desportivas para o médio prazo serão devastadoras. Mais um motivo para que, caso esta direção se mantenha em funções, a estrutura de futebol seja reestruturada com gente bem mais competente do que aquelas que atualmente tomam as decisões.