quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Consequências à portuguesa

                                                                                                                                                  
Tal como se esperava, o relatório que a FPF anunciou na sequência da má participação da seleção no mundial resultou apenas num conjunto de medidas ocas e contraditórias, que mostram que não passou de uma ação puramente cosmética para fazer passar a ideia de que há uma real preocupação em evitar que os erros cometidos se repitam no futuro. Na realidade, o que parece óbvio é que os responsáveis federativos não tem qualquer vontade de apurar o que realmente falhou, pois a falta de competência, infelizmente, foi transversal a toda a estrutura - ninguém parece isento de culpas no que de mau se passou (seja por ação direta ou inação) em todo o processo de preparação e participação no campeonato do mundo.

Relembremos o que está em causa:

  • Incapacidade de proceder à renovação gradual dos jogadores selecionados durante a fase de qualificação para o mundial - as caras novas que tiveram oportunidade de ter minutos entraram sobretudo devido a indisponibilidade dos jogadores que fazem parte do núcleo duro de Paulo Bento;
  • Uma convocatória para a fase final em que a lealdade foi o principal critério seguido, não olhando ao estado físico dos jogadores e à forma recente e rendimento demonstrado nos clubes (ex.: Adrien, Quaresma), e com um evidente desequilíbrio em determinadas posições (ex.: apenas 2 laterais de raíz), privilegiando ad nauseum a polivalência sobre quem poderia efetivamente fazer melhor o lugar;
  • Um calendário de preparação que privilegiou o aspeto financeiro, levando a seleção a estagiar nos EUA, num ambiente que nada tinha a ver com aquele que iria encontrar no Brasil, onde chegou apenas 5 dias antes da estreia contra a Alemanha;
  • A escolha de Campinas, um local não só muito distante dos locais dos dois primeiros jogos e com um clima bastante diferente;
  • Os equívocos técnico-táticos que ficaram completamente a nu a partir do momento em que as lesões começaram a aparecer e pela incapacidade de admitir o fraco rendimento de muitos dos habituais indiscutíveis.


Fernando Gomes começou ontem por dizer que as cidades escolhidas para fazer a preparação e a escolha do centro de estágio em Campinas "não foram determinantes no resultado final". Com uma singela frase conseguiu sacudir a água do capote que lhe cabia diretamente. 

Depois, diz que a formação não tem conseguido fornecer jogadores à seleção A, mas aumenta as competências de Paulo Bento (que não quis tirar proveito dos poucos bons valores que despontaram) e de Rui Jorge e Ilídio Vale (os responsáveis principais pelas camadas jovens da FPF). Não vejo que sentido faz premiar quem tinha obrigação de liderar o processo de renovação da seleção e falhou redondamente.

Como havia que entregar a cabeça de alguém à multidão, a escolha acabou por recair no elo mais fraco: Henrique Jones. De qualquer forma, afirmaram de imediato que lhe arranjarão outras funções dentro da seleção, comprando-lhe o silêncio que certamente não duraria muito se o médico saísse da estrutura federativa.

Paulo Bento fez uma excelente campanha no Europeu de 2012, formando o tal núcleo duro em quem confia cegamente, e cujo talento e rotinas foram fundamentais para o sucesso alcançado. Foi uma abordagem que resultou e o mérito, como é evidente, não pode ser retirado ao selecionador. No entanto, Paulo Bento não quis (ou não soube) abrir o grupo aos novos valores que foram aparecendo e acabou por ficar refém da sua própria teimosia quando as lesões começaram a aparecer. Um homem com estas características e com esta falta de visão (que já eram conhecidas do tempo em que treinou o Sporting) não é nitidamente a pessoa certa para proceder à renovação de um grupo de trabalho - e o próprio já afirmou publicamente que continuará a convocar os jogadores do costume se estiverem em condições.

A renovação de Paulo Bento, que aconteceu antes de se saber se iria cumprir os objetivos mínimos na participação no mundial, foi uma precipitação por todos os sinais que já tinham sido dados ao longo da qualificação. Se os dirigentes máximos da FPF achavam necessário dar uma prova de confiança ao selecionador, que fizessem umas declarações apoio em público e umas palmadinhas nas costas em privado - mas nunca se deviam ter posto nas mãos do selecionador durante mais dois anos, no matter what.

Fernando Gomes, Humberto Coelho e Paulo Bento são os principais responsáveis por tudo o que se passou. Saem todos incólumes ou então, no caso do selecionador, ainda saiu com os poderes reforçados. Nada que surpreenda numa situação em que eram juízes em causa própria.